Elas Lideram 2030: movimento da ONU quer levar 11 mil mulheres à alta liderança
Em entrevista exclusiva, porta-vozes do projeto da ONU falam sobre o Elas Lideram 2030, cujo objetivo é alcançar a equidade de gênero no C-Level.
Da esquerda para a direita: Camila Valverde, diretora de impacto e COO do Pacto Global da ONU; e Margareth Goldenberg, gestora-executiva do Movimento Mulher 360: movimento Mulheres 2030 já conta com o compromisso de 118 empresas no Brasil
Nos conselhos administrativos das grandes empresas que atuam no Brasil, as mulheres ocupam hoje menos de 20% das cadeiras, de acordo com dados do Movimento Elas Lideram 2030, do Pacto Global da ONU - Rede Brasil.
Mudar este quadro é o que propõe o movimento Elas Lideram 2030, cujo objetivo é que mulheres estejam ocupando pelo menos 50% dos cargos de liderança nas empresas brasileiras em 2030.
A iniciativa, lançada em 2022, conta com o comprometimento de 118 empresas brasileiras e é encabeçada pela ONU Mulheres, entidade que representa o país no Pacto Global das Nações Unidas pelo desenvolvimento sustentável.
Para isso, a meta do movimento Elas Lideram 2030 é ter mais de 1.500 empresas comprometidas com a equidade de gênero até o fim desta década. O que significa impulsionar a promoção de 11 mil mulheres para posições de alta direção até 2030.
A Flash conversou com exclusividade com Camila Valverde, diretora de impacto e COO (chief operating officer) do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, e Margareth Goldenberg, gestora-executiva do Movimento Mulher 360 e embaixadora do Elas Lideram 2030.
Em um papo esclarecedor, as executivas falam das iniciativas do movimento e como as companhias brasileiras podem dar um passo importante para impulsionar a equidade de gênero.
“O movimento Elas Lideram 2030 é um chamado às empresas brasileiras para reconhecerem a urgência e a necessidade da promoção de ações concretas, com metas e compromissos públicos. Promover a igualdade de gênero é fundamental para um mundo mais igualitário”, pontua Camila Valverde.
O que é o movimento Elas lideram 2030?
Todas as ações do movimento são baseadas nos sete Princípios de Empoderamento das Mulheres (WEPs, em sigla em inglês) lançados pela ONU em 2010 que determinam entre outras prioridades:
- Estabelecer liderança corporativa de alto nível;
- Tratar mulheres e homens de forma justa no trabalho;
- Garantir saúde, segurança e bem-estar das trabalhadoras e trabalhadores;
- Promover a educação, a capacitação e o desenvolvimento profissional das mulheres;
- Medir e relatar publicamente o progresso para alcançar a igualdade de gênero.
Para viabilizar essa operação, a ONU Mulheres buscou suporte técnico e financeiro tanto na esfera privada quanto no terceiro setor. “Nossas parceiras estratégicas nos apoiam na parte técnica e em todas as frentes de amplificação do movimento”, explica Camila.
A iniciativa é hoje financiada por cinco organizações embaixadoras: Movimento Mulher 360, Uber, Banco do Brasil, Animale e Ambipar. Já entre os apoiadores estratégicos, estão o Grupo Mulheres do Brasil, a Rede Mulher Empreendedora, o movimento Me Too Brasil, além de Think Olga e Coalizão Empresarial Pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas.
Movimento Elas lideram 2030: pontos principais de atuação
A proposta, segundo Camila, é trabalhar todas as camadas de desigualdade de gênero no ambiente de trabalho — como a disparidade de salários, a sobrecarga e o enfrentamento à violência (incluindo aqui os assédios moral e sexual).
“O Elas Lideram 2030 oferece capacitação por meio de treinamentos e mentorias, e é uma iniciativa que se propõe a ser um acelerador também para movimentos individuais ou mais pontuais”, acrescenta Camila.
Ao longo do ano, o movimento realiza encontros mensais e temáticos, em um formato que combina teoria e troca de melhores práticas. Os temas são escolhidos coletivamente pelas empresas, em conjunto com a gestão executiva.
“É uma metodologia interessante porque as próprias empresas se mentoram entre si. Em fevereiro, a conversa foi sobre maternidade e bem-estar parental. Abordamos questões como impacto da parentalidade na carreira da mulher e políticas de benefícios”, conta a psicóloga Margareth Goldenberg.
As melhores práticas são fichadas e disponibilizadas em uma área do portal do Elas Lideram 2030 de acesso reservado às empresas participantes. Como resultado dos dois primeiros anos de trabalhos, já foram catalogadas mais de 150 práticas para a promoção da equidade.
“Essas empresas sabem a direção a seguir, só que a velocidade do avanço tem sido muito lenta. É uma inteligência construída coletivamente”, observa Margareth.
Desafios da equidade de gênero no trabalho
Segundo o levantamento feito pelo Observatório 2030 da ONU com as empresas brasileiras participantes do Elas Lideram 2030, 41% das companhias têm entre 30% e 50% de líderes mulheres.
Os índices são maiores nas empresas onde as políticas de igualdade foram iniciadas há mais tempo. “Empresas como Unilever, Natura, Coca-Cola, Avon e O Boticário já ultrapassaram os 50%”, afirma a CEO da Goldenberg Diversidade.
A interseccionalidade é uma preocupação do movimento, diz a psicóloga, lembrando que no Brasil não se pode falar em equidade de gênero sem mencionar a situação das mulheres brasileiras negras (pretas e pardas) no cenário corporativo.
“Esse é um tema que demorou muito para entrar nas empresas, então temos trabalhado fortemente para que essa equidade seja para todas, não só mulheres brancas”, destaca Margareth.
O “degrau quebrado” que é desafio para a equidade de gênero
Os dados comprovam o quão longe o Brasil está da paridade de gênero em cargos de liderança. Segundo o IBGE, em 2022, as mulheres ocupavam 57,5% das cadeiras do ensino superior, apesar disso quando se trata de representatividade na diretoria ou presidência das empresas elas não ultrapassam os 26% e 17%, respectivamente.
Entre outras coisas, o fenômeno do “degrau quebrado” pode estar por trás desses números. O termo se refere ao fato de que muitas mulheres ficam estagnadas em posições de entrada dentro das companhias. Como consequência de não avançar para a média gerência, elas sequer são consideradas para as posições de C-Level.
“No final, significa que não temos mulheres prontas para a sucessão, para ser CEO ou conselheira. E, quando chegam a alguma posição de liderança, em 65% dos casos estão concentradas em áreas de apoio em suas empresas”, diz Margareth.
“É preciso um trabalho de transformação cultural muito grande, envolvendo e engajando aliados, os homens, para garantir que essa seja uma temática estratégica para a gente poder continuar avançando”, conclui a embaixadora.
Como participar do movimento Elas Lideram 20230
Para aderir ao Elas Lideram 2030, a empresa precisa, primeiro, ser participante do Pacto Global da ONU - Rede Brasil. Também é fortemente recomendado que a companhia seja signatária dos Princípios de Empoderamento das Mulheres, ou WEPs, lançados pela ONU. Fora isso, é preciso assinar a carta compromisso e enviar para o e-mail: movimento.elaslideram@pactoglobal.org.br.
É possível fazer parte do movimento de duas formas: como empresa comprometida (gratuitamente ou assinando a versão premium) ou como embaixadora (opção em que se patrocina a ação).
As empresas comprometidas participam de encontros de capacitação e mentorias. Já as que optarem pela versão paga têm acesso também a dados e monitoramento de resultados, entre outros benefícios complementares.
Além de instruir, acompanhar as metas e viabilizar a construção de capacidades, faz parte da operação do Elas Lideram 2030 a produção de pesquisas e materiais de apoio, o compartilhamento de boas práticas e resultados das ações.
Repórter da Unicamp, formada na USP. Tem vasta experiência em produção de conteúdo para mídias digital e impressa, e assessoria de imprensa. Passou por Grupo Folha, Record e Microsoft.