Futuro paradoxal: o que a Gartner prevê sobre IA para o mercado de trabalho
Gartner prevê necessidade de equilíbrio entre conhecimento em IA e pensamento crítico, e o RH se torna peça-chave nessa transição.
Mais uma vez, a inteligência artificial ganha destaque quando o assunto é o futuro do trabalho. A Gartner divulgou recentemente previsões para 2026 e o que chama a atenção é o apontamento de um futuro quase paradoxal: enquanto o conhecimento em IA passa a ser exigido em 75% dos processos seletivos, 50% das organizações deverão avaliar habilidades humanas independentes da tecnologia, como pensamento crítico, criatividade e empatia.
Os dados reforçam uma perspectiva trazida pelo relatório "Futuro do Trabalho”, do Fórum Econômico Mundial para 2025, que já previa que o pensamento analítico continuaria sendo uma habilidade essencial em tempos de IA, seguido de resiliência, flexibilidade e agilidade, juntamente com a liderança e a influência social.
O levantamento da Gartner aponta ainda que, até 2027, o uso de IA generativa e agentes de IA criará o primeiro verdadeiro desafio às ferramentas de produtividade tradicionais em 30 anos, provocando uma reformulação de mercado de US$ 58 bilhões.
Para aprofundar os caminhos apontados pelo estudo da Gartner, a Flash ouviu especialistas que, além de avaliar essas previsões, traçam um panorama sobre a IA e o futuro do trabalho no Brasil. Confira:
A era das Human Skills: a tecnologia mais premium é a humanidade
De acordo com a previsão da Gartner, a atrofia das habilidades de pensamento crítico, devido ao uso da IA, levará 50% das organizações globais a exigir avaliações de habilidades "livres de IA" já em 2026. Para Eridan Lengruber, futurista e especialista em tecnologias emergentes, entramos na era das human skills [habilidades humanas, em português], e a humanidade será a nossa tecnologia mais premium.
“Houve a época em que as hard skills eram muito valorizadas, que são as habilidades mais técnicas, em outra foram as soft skills, que são as emocionais. Agora estamos entrando na era das human skills, porque o que vai nos diferenciar são as habilidades que a máquina não têm ainda", avalia.
Essa visão é complementada por Paloma Pena Firme, pesquisadora em IA e futuro do trabalho e especialista em aprendizagem e desenvolvimento, que defende a aprendizagem contínua como motor da adaptabilidade.
“É a aprendizagem autodirigida que faz as pessoas se sentirem preparadas para as mudanças e, principalmente, manterem-se questionadoras durante todo esse processo. Afinal, em meio ao hype da IA, precisamos ter sujeitos pensantes questionando respostas, aplicações e transformações."
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Processos seletivos com IA: certificações e letramento digital em alta
Se por um lado, o futuro aponta para a importância do desenvolvimento de habilidades humanas, por outro, de acordo com o levantamento da Gartner, a exigência de conhecimento IA em processos será algo recorrente, com teste de proficiência em inteligência artificial tornando-se cada vez mais comum.
Mas como as duas necessidades vão coexistir? “O futuro do trabalho exige seres humanos cada vez mais multipotenciais. Nos próximos anos, vamos conviver com times híbridos, compostos de seres humanos e máquinas. Os líderes precisarão gerenciar humanos, IAs e projetos de desenvolvimento, tudo isso ao mesmo tempo, enquanto os liderados precisarão conviver com agentes autônomos e automações como parceiras de trabalho", analisa Paloma.
Assim, habilidades humanas e técnicas vão se complementar. A especialista afirma que habilidades como curiosidade, inteligência emocional e segurança psicológica serão grandes aliadas nessas interações, enquanto letramento em inteligência artificial e visão analítica e lógica serão triviais para resoluções completas.
Por isso, as organizações precisam preparar seus colaboradores para esse novo cenário e garantir que as novas contratações olhem para essa necessidade.
Treinamento de agentes de IA: o fator humano como diferencial ético
Eridan alerta para um desafio crescente nas empresas: quem treina as IAs corporativas? De acordo com a especialista, pesquisas nos Estados Unidos já indicam que 40% dos agentes de IA estão sendo desligados por problemas de treinamento inadequado. “Se o profissional que treina o sistema estiver precarizado, a IA vai replicar esse modelo”, observa.
Ela destaca que as human skills — liderança, empatia e ética — são fundamentais até mesmo no treinamento de IAs, pois definem os padrões que a tecnologia vai reproduzir. “Quando estou falando de IAs no geral, a pergunta que fica é: entre as que existem hoje, esse treinamento representa quantos por cento da humanidade no geral?”
Produtividade e saúde mental: o dilema da hiper automação
A Gartner prevê que, até 2027, o uso de GenAI e agentes de IA provocará a primeira grande revolução nas ferramentas de produtividade em 30 anos, movimentando US$ 58 bilhões. Essa transformação levanta um alerta: o risco de sobrecarga emocional e adoecimento dos trabalhadores.
Para Eridan, esse aumento de produtividade, se mal administrado, pode prejudicar a saúde mental dos colaboradores. E questiona: “Estamos usando a IA para melhorar a produtividade ou para liberar espaço e trabalhar ainda mais?”
Ela cita relatório do FMI (Fundo Monetário Internacional), segundo o qual 60% dos trabalhos atuais serão substituídos por IA.
Paloma tem opinião semelhante: “Temos um problema sistêmico e uma recusa a repensar esse modelo. As IAs prometem otimização do tempo, mas os problemas antigos ainda coexistem, como excesso de reuniões, microgerenciamentos e comunicação ineficiente”.
IA e o futuro do RH
Uma pesquisa global do LinkedIn mostrou que profissionais de RH brasileiros estão mais preparados para a era da inteligência artificial. Segundo o levantamento, 46% dos brasileiros que atuam no RH afirmam usar a IA diariamente no trabalho, sendo a média global de 29%.
“O RH deve ser a força motriz de toda a transformação tecnológica de uma empresa. Porque a transformação acontece primeiro nas pessoas e depois isso aparece na cultura da empresa de forma genuína. A minha defesa é que o futuro do trabalho exige organizações que aprendem, e que a aprendizagem faça parte do dia a dia de forma formal, informal e até incidental", avalia Paloma.
Na opinião da pesquisadora, uma cultura de aprendizagem forte, que incentive a autonomia das pessoas e dê a elas segurança para errar, é uma aliada nesse processo. Programas como hackathons, bootcamps e festivais de aprendizagem ajudam a desenvolver mentalidades inovadoras e curiosas. “Dessa forma, a tecnologia, em especial a inteligência artificial, pode ser inserida em qualquer contexto, processo, porque as pessoas estarão confiantes e engajadas."
De maneira geral, avalia, é estratégico olhar para o uso de IA como um meio e uma ferramenta e não como um produto fim. “Digo isso porque vejo mais sucesso na aplicação em pequenos gaps de processos e análises do que em grandes workflows ou tomando muitas decisões.”
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Jornalista e mãe do Martin. Além de colaborar com a Flash, é assessora de imprensa na área de música e escreve sobre cultura em veículos de imprensa.


