Sindicatos são oportunidade e não um mal necessário, diz professor da Dom Cabral
Descubra como a onda de greve nos EUA afeta o RH e o futuro do employee relations em entrevista exclusiva com André Teixeira, professor da Dom Cabral.
O ano de 2023 tem sido marcado por paralisações de trabalhadores de diversos setores nos Estados Unidos. Em setembro, uma greve histórica parou a indústria automobilística do país, quando 25 mil trabalhadores das principais montadoras cruzaram os braços.
Nem mesmo os todo-poderosos estúdios de Hollywood escaparam da onda sindicalista e, durante 148 dias, tiveram de lidar com uma greve de atores e roteiristas que interrompeu a produção de filmes e séries.
Intensificado após a pandemia, essa onda de sindicalismo nos EUA também traz novos elementos entre as reivindicações dos trabalhadores. Para além de melhores salários e condições laborais, questões como a proteção contra a automatização também entram na pauta.
E, na esteira dessa discussão, a importância da área de employee relations, ou relações trabalhistas, tem ganhado destaque entre as companhias. Além disso, muitas se perguntam se essa onda grevista trará consequência para outros países, como o Brasil.
Para analisar este cenário e explicar como as empresas podem criar estratégias de relacionamento mais eficientes com seus colaboradores, o blog da Flash conversou com André Teixeira, professor do Programa de Atualização em Gestão de Relações do Trabalho da Fundação Dom Cabral e especialista em employee relations. Confira a seguir!
Para começar, qual a importância dos sindicatos para as empresas e colaboradores?
O movimento sindical é algo muito importante para a sociedade e, se olharmos para a história, vemos que ele desempenhou um papel importante na evolução da economia. Não à toa, vemos que os sindicatos são mais fortes nos momentos em que a industrialização também foi mais forte, sobretudo, na Segunda Revolução Industrial.
É importante dizer que não existe um único perfil de sindicato. Isso varia muito conforme questões próprias de cada país, grau de interferência do Estado e, até mesmo, a presença de multinacionais, que muitas vezes trazem visões de outras culturas.
Existe uma ideia de que o sindicalismo norte-americano é fraco. Porém, o que explica esse crescimento de greves por lá?
Mesmo que nem sempre se torne notícia no Brasil, as greves são, sim, parte da rotina das empresas e dos trabalhadores americanos. Ao contrário do que se imagina, elas são a forma principal de pressão por mudanças, resultado da cultura do sindicalismo de lá e seu perfil muito combativo
O que estamos vendo não é um ressurgimento do sindicalismo ou nada do tipo. O que houve foi uma maior atenção sobre movimentos recentes, principalmente, a greve da indústria automobilística e dos estúdios.
E isso ocorreu por várias razões, a primeira é política: houve o apoio direto do presidente Joe Biden aos grevistas das montadoras. A segunda é que são movimentos relacionados a temas muito fortes no momento, como o uso da Inteligência Artificial (IA) nas empresas, como foi o caso da greve dos roteiristas de Hollywood.
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Mas, você acredita que podemos esperar consequências desses movimentos no Brasil?
Não. Por mais que as multinacionais reproduzam alguns elementos da matriz nos EUA, como estilo de conduzir o relacionamento com os sindicatos, não acredito que isso vá ocorrer. Isso porque a natureza dos movimentos americanos é bastante diferente, organizada por empresa e não por categoria e com demandas muito próprias.
Como o histórico do sindicalismo no Brasil se reflete nas instituições daqui?
Nossos sindicatos tiveram origem com os trabalhadores anarquistas e, depois, com os marxistas. Era um movimento muito combativo e que assustou as elites. Tanto que, na Era Vargas (1930-1945), foram criadas formas de “engessar” as estruturas sindicais.
Isso envolvia maiores limitações, como a imposição de um sindicato por categoria em cada cidade e a criação de uma grande tutela do Estado sobre as negociações. Com reflexo, temos um estilo de atuação que chamamos de híbrido, pois mistura as duas principais escolas de sindicalismo no mundo.
Quais são elas?
Uma delas é a europeia, que se baseia na negociação constante entre patrões e empregados. É um modelo que surgiu em países que sofreram profundamente com as guerras e que dependeram dos acordos coletivos para seu renascimento.
A outra escola é a americana, mais voltada ao confronto. Por lá, a pressão vem antes de se sentar à mesa para negociar. Apesar de termos um pouco de cada escola, fatores culturais e de proximidade programática faz com que a balança por aqui penda para o modelo mais negocial, como o dos europeus.
E como essas especificidades do modelo sindical brasileiro impactam a rotina das empresas por aqui?
Desde Vargas, temos os conflitos trabalhistas mediados pelo Estado, num viés que entende que os sindicatos não estão preparados para negociar. Até 2017, era muito comum a Justiça ignorar o combinado entre empregados e patrões.
Tudo isso fez com que muitas empresas vissem o momento da negociação coletiva como um mal necessário, uma imposição da lei. Com a Reforma Trabalhista, que passou a vigorar em novembro de 2017, esse cenário começa a mudar.
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Então, o que muda com a Reforma Trabalhista? Há mais espaço para a negociação?
A lei agora dá um peso maior ao que for alinhado entre empregados e empregadores. O negociado vale mais do que a lei. É uma grande transformação.
Ainda existem muitas empresas que veem essa relação capital-trabalho como mera obrigação. Mas há aquelas que estão enxergando de uma forma diferente, como uma oportunidade de regulamentar as relações trabalhistas olhando para as particularidades de cada negócio e para os interesses dos trabalhadores e da empresa.
E qual o peso da área de employee relations nesse novo cenário?
A partir do momento que as empresas param de encarar o setor de relações trabalhistas apenas como a área que vai sentar à mesa com o sindicato, ela ganha relevância.
A função principal da área não deve ser a negociação, mas lidar com os potenciais conflitos nas organizações. Porque é quando um conflito não é resolvido que ele se torna um problema para o sindicato ou para a Justiça.
O que tem que ganhar musculatura dentro das empresas é a noção de que os conflitos, em geral, surgem da relação dos líderes diretos com suas equipes. Por isso, o principal trabalho de relações trabalhistas acontece no dia a dia. Ele é interno, por meio de treinamento com os gestores para lidar com conflitos e criar um ambiente de trabalho saudável.
Qual o impacto do sindicalismo no dia a dia dos processos de RH e gestão de pessoas?
Além dos momentos de negociação, que sempre envolvem a área de recursos humanos, é papel do RH preparar os gestores para gerenciar seus times. É normal que, cargos de supervisão, sejam ocupados por profissionais mais técnicos que não são cobrados nem preparados para gerir a equipe.
Esse é um caminho que não pode mais existir. Tem que haver um equilíbrio entre o conhecimento técnico e de gestão de pessoas. Porque sem isso a chance de conflitos cresce muito.
Quando as pautas sindicais começam a estar relacionadas a questões muito básicas, como qualidade da comida ou as condições gerais de trabalho, é sinal de que a liderança está falhando — e o RH precisa estar atento a isso.
Hoje o sindicalismo frequenta bem menos as manchetes do que há 20 ou 30 anos. Os sindicatos perderam relevância?
A estrutura dos sindicatos foram criadas replicando as estruturas que existiam nas empresas, com muitas camadas hierárquicas e concentração de poder na figura do presidente.
Na prática, essa estrutura centralizada faz com que a maioria dos membros não participe, de fato, das decisões. E, enquanto nós vemos uma tentativa das empresas de reduzirem essa hierarquia, o mesmo não acontece nos sindicatos.
Isso tem feito os trabalhadores, sobretudo os mais jovens, buscarem um outro modelo de participação social. Em geral nas ONGs, onde as decisões são muito mais coletivas. Essa é uma das razões que tem feito a sindicalização cair no mundo inteiro.
Qual o impacto nas empresas do sindicalismo como vemos hoje?
A existência de líderes sindicais que realmente representem os trabalhadores é importante para as empresas. É mais fácil negociar com lideranças do que com um conjunto muito disperso.
Já tivemos em alguns setores no Brasil, sobretudo na construção, o surgimento de algumas greves por “geração espontânea”. Nesses movimentos com lideranças dispersas, negociar a saída toma mais tempo e energia.
Para lidar com isso, empresas e sindicatos terão que passar por um processo parecido: o de dar mais ouvidos e voz aos jovens e ajustar os conflitos internos antes que eles se tornem movimentos maiores.
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Jornalista, divide sua rotina entre o filho, projetos de comunicação para empresas inovadoras e um romance que logo será publicado.