Gordofobia merece tanta atenção quanto racismo e homofobia, diz a psicóloga e ativista Gabi Menezes
Em uma entrevista exclusiva, a psicóloga e ativista Gabi Menezes explica o que é gordofobia e como o preconceito impacta as organizações.
Atualmente, o Brasil tem 56% da população com excesso de peso ou obesa, segundo uma pesquisa realizada pela organização global de saúde pública Vital Strategies em parceria com a UFPel (Universidade Federal de Pelotas).
E, segundo levantamento da Abeso (Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), 85,3% dos obesos afirmaram já ter sido vítimas de uma situação de gordofobia, 54% especificamente no ambiente de trabalho.
Não à toa, no sistema judiciário brasileiro, os casos de injúria e assédio moral relacionados à gordofobia não param de subir. Somente em 2022, segundo levantamento da ferramenta Data Lawyer, 419 processos envolvendo gordofobia corriam na justiça brasileira. Diante desse contexto, debater a questão dentro das organizações e aumentar o conhecimento sobre este tipo de preconceito é algo urgente.
“Mais da metade da população do país é gorda ou está acima do peso, então, as empresas têm uma grande parte de seus colaboradores dentro desse recorte. Ou seja, não dá simplesmente para varrer a questão para baixo do tapete. Falar sobre a importância de emagrecer não vai fazer essas pessoas sumirem”, afirma Gabi Menezes, psicóloga especialista em transtornos alimentares e co-criadora do projeto Saúde sem Gordofobia.
Ativista do movimento corpo livre, a profissional concilia a rotina de atendimentos clínicos com a atuação de criadora de conteúdo, modelo plus size e influenciadora digital. Em entrevista exclusiva para o blog da Flash, Gabi discutiu como as empresas podem assumir um papel mais ativo na luta por inclusão de pessoas gordas. Confira, a seguir:
Para começar, o que é gordofobia, Gabi?
Quando falamos em gordofobia, estamos nos referindo à discriminação, violência, marginalização e perda de direitos de corpos de pessoas gordas. Isso está presente na estrutura física dos espaços, como a falta de poltronas do seu tamanho no avião ou dificuldade de passar em uma catraca de ônibus, por exemplo.
Ou, então, quando uma pessoa gorda vai a uma consulta médica e tem seu diagnóstico errado porque só enxergam a obesidade. É também aquela piada sobre o corpo dos outros, que são sempre dirigidas a um grupo específico de pessoas, nunca a magros. Em resumo, é não ser visto como um ser humano integral, que merece ser respeitado.
O preconceito acontece tanto de forma escancarada quanto velada e muitas pessoas passam por violências mas não se dão conta. Então, é preciso nomear o problema.
Como a gordofobia pode se manifestar no ambiente de trabalho?
De diversas maneiras. A gordofobia no ambiente de trabalho pode vir por meio do julgamento preconceituoso, quando alguém é considerado menos capaz, competente ou não é promovido por ser gordo, por exemplo.
Existe também a chamada gordofobia recreativa, que são as piadinhas, insinuações e comentários inconvenientes. Além da infraestrutura dos espaços das empresas que, assim como na sociedade, não são pensados para o corpo de pessoas obesas. Isso inclui desde uniformes até mobiliário e cancelas de acesso inadequados para o tamanho desses profissionais.
Consegue dar algum exemplo concreto?
Na verdade, são comuns situações que configuram gordofobia e podem ser tipificadas como assédio moral. É dizer que um colega vai cair da cadeira por ser pesado demais ou que alguém ficaria melhor se emagrecesse.
Recentemente, soube de uma profissional que precisava fazer relatórios para registrar o quanto emagrecia a cada semana. No edital de alguns concursos públicos chegou a ser estipulado que os candidatos só seriam se tivesse um determinado IMC [Índice de Massa Corporal, ferramenta utilizada pela OMS para calcular o que seria o peso ideal de uma pessoa].
A gordofobia também pode ser sutil. Alguns programas de saúde e bem-estar dentro das empresas passam mensagens gordofóbicas. Ou então, médicos responsáveis por realizar os exames periódicos fazem diagnósticos errados baseados no peso da pessoa. Uma dor de coluna, por exemplo, é vista como reflexo de sobrepreso e não falta de ergonomia.
Quais são os impactos da gordofobia para a saúde e o bem-estar de um profissional?
Baixa autoestima, ansiedade e depressão são as principais consequências dos profissionais que sofrem com a gordofobia. A ansiedade começa antes mesmo de chegar ao local de trabalho, uma vez que a pessoa gorda precisa estar três vezes mais arrumada do que quem é magro. O grau de exigência é muito maior porque o profissional gordo é julgado a partir de sua gordura — e não de seu talento.
Isso pode acarretar também distúrbios alimentares, como a anorexia atípica, quando alguém fica longos períodos sem se alimentar porque acredita que ao emagrecer será aceito por colegas e líderes.
Para completar, como consequência da baixa autoestima, a pessoa gorda deixa de acreditar na sua capacidade. No final, há um impacto enorme na vida profissional e pessoal, afetando suas perspectivas de futuro.
Qual a responsabilidade do RH no combate à gordofobia?
Ainda existe um longo percurso para que as empresas comecem a trabalhar a pauta da gordofobia. Digo que deveríamos todos voltar para a escola, porque a gordofobia nasce daquele bullying com os colegas de classe, ainda quando somos crianças.
Como esse comportamento está enraizado, algumas empresas reproduzem esse ambiente meio ‘quinta série’ com pessoas fazendo piadas e brincadeiras preconceituosas.
Desse jeito, o trabalho do RH é um trabalho de formiguinha. É preciso, antes de qualquer coisa, começar a olhar a pessoa gorda para além do seu corpo, assim como de sua raça, de sua idade ou gênero. Algo que envolve acolhimento, sensibilização e promoção da diversidade.
Por onde começar a tratar a gordofobia dentro das empresas?
Acho que, um primeiro passo, são os profissionais de RH começaram a promover ações de educação sobre o tema. Nesse sentido, organizar palestras, workshops e disponibilizar materiais educativos.
Em paralelo, acolher as pessoas gordas que reportam casos de assédio e situações abusivas. Além, de claro, garantir o básico como mobiliário e uniformes apropriados.
E como o RH deve agir no caso de denúncias de gordofobia?
É preciso ter clareza de que se uma pessoa tomou coragem e procurou o RH para reportar esse caso, isso é um problema real. Não é mimimi. Como não há nenhuma citação explícita na legislação brasileira dizendo que gordofobia é crime, a tendência é ignorar essas situações. O que diminuiu o número de pessoas encorajadas a denunciar.
Então, o primeiro passo não é minimizar a situação ou encarar como algo positivo, como se um comentário gordofóbico viesse pelo bem da pessoa gorda. É preciso olhar a situação como ela é: origem de sofrimento e exclusão, além de acolher a pessoa que sofreu o preconceito.
Qual o melhor caminho para evitar que os casos de gordofobia se repitam?
É preciso investigar as denúncias, para entender se foram episódios isolados ou se há um comportamento recorrente. Depois de identificar os responsáveis é necessário, sobretudo, orientação. Aumentar o conhecimento dos colaboradores sobre gordofobia, por meio de exemplos, palestras e treinamentos.
Fora isso, é preciso haver algum tipo de regulação da empresa para coibir e punir casos de gordofobia. Isso já existe para situações como racismo, homofobia e discriminação contra pessoas com deficiência porque existe uma legislação para esses casos.
Porém, é preciso lembrar que, apesar de ainda não ser crime, há muitos processos judiciais correndo no Brasil em relação à gordofobia — e sendo julgados em favor de quem denuncia.
Como deve agir um profissional que for vítima de gordofobia?
Se o profissional está só e não enxerga que haverá apoio da empresa, talvez falte força para denunciar num primeiro momento. Nesse sentido, a terapia é fundamental, principalmente para a pessoa entender o que está acontecendo.
Também vale procurar ajuda de pessoas que estão dispostas a ouvir e que compreendam o que ocorreu, sem minimizar o episódio. Esse alguém pode ser um amigo pessoal, um colega de trabalho ou o RH. Muitas vezes, falar com alguém de dentro da empresa ajuda a confirmar se o incômodo é algo notado por outras pessoas também e até a descobrir novos casos.
Além disso, se não falarmos do nosso mal-estar dentro dos ambientes que frequentamos, nada vai mudar. Lembrando que, para esse enfrentamento, é preciso haver respaldo do RH e, em alguns casos, até mesmo de advogados.
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Repórter da Unicamp, formada na USP. Tem vasta experiência em produção de conteúdo para mídias digital e impressa, e assessoria de imprensa. Passou por Grupo Folha, Record e Microsoft.