Como estruturar um plano eficaz para melhorar a saúde financeira dos colaboradores
Descubra como o RH pode apoiar colaboradores endividados, melhorar a saúde financeira e reduzir impactos na produtividade e bem-estar.
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Depois que a empresa deposita o salário do mês na conta do colaborador, o que ele fará com o dinheiro não diz respeito a mais ninguém. Mas, quando ele faz dívidas e tem dificuldade em pagá-las, é inevitável que os problemas financeiros sejam refletidos no dia a dia do trabalho, provocando estresse, absenteísmo e até uma queda na produtividade.
Esta não é, infelizmente, uma situação pouco comum. De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) de agosto deste ano, 78,8% dos brasileiros têm alguma dívida em aberto. A inadimplência alcançou 30,4%, o maior nível da série histórica.
Enquanto falar sobre dinheiro é um tabu, dentro e fora das organizações, surge a pergunta: cabe ao RH atuar junto aos colaboradores para tentar ajudá-los?
A resposta é sim. Por mais que os profissionais por vezes tenham vergonha de buscar ajuda, anseiam por apoio das empresas. Segundo pesquisa da companhia de seguros Zurich em parceria com a Universidade de Oxford, 57% das companhias viram um crescimento na demanda de seus colaboradores por aconselhamento financeiro e de bem-estar.
Hoje existem companhias que oferecem suporte à vida financeira dos colaboradores. Essa é uma realidade para a Coca-Cola, que possui um programa de educação financeira com avaliações, cursos online, artigos, vídeos, calculadoras e ferramentas para ajudar o colaborador a planejar o futuro.
A Suzano, maior produtora de celulose do mundo, conta com o programa Faz Bem, voltado a funcionários e dependentes legais, com atendimento via telefone para tratar de temas como psicologia, jurídico, consultoria financeira, nutricional, social e física, entre outros.
Geraldo Grizzo Filho, CEO e fundador da Seu Din, plataforma de finanças pessoais, afirma que, hoje, há uma maior busca das empresas por soluções financeiras aos funcionários. Geraldo participou do CONARH 2025 e diz que ouviu diversos relatos de companhias que estão demandando este tipo de programa aos colaboradores.
A Seu Din nasceu focada em ajudar pessoas com renda abaixo de R$ 5.000, ampliou a atuação em 2022 e, hoje, 99% da operação é voltada para o segmento de benefícios corporativos.
O que impacta a saúde financeira dos trabalhadores
Para Geraldo, a mudança na lei que permitiu o crédito consignado privado [empréstimo em que uma porcentagem do salário já é depositada pela empresa diretamente para o credor antes de ser paga ao funcionário] foi um dos principais fatores a impactar este movimento dentro das corporações.
“Antigamente, a empresa precisava ter uma parceria com um banco, que vendia o consignado para o colaborador dela. Hoje a pessoa entra na própria carteira digital, seleciona a opção de pedir consignado e aparecem diversas opções de bancos que podem ofertar. Não passa mais pelo RH para aprovar. O colaborador toma a decisão sozinho e só chega para o DP fazer o pagamento", conta.
Outra questão preocupante são os jogos de azar: “O Tigrinho está sendo um problema gigantesco dentro das empresas. Tem gente pegando consignado para jogar. Essa novidade é muito séria”, diz Geraldo.
Em entrevista ao blog da Flash, Gisela Salles, advogada especializada em compliance fundadora da Spectare, consultoria em bem-estar corporativo, afirma que as apostas esportivas não podem mais ser ignoradas, já que a cultura organizacional e a saúde dos colaboradores estão em jogo.
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A tendência é que o RH olhe, cada vez mais, para a saúde financeira dos colaboradores com a atualização da NR-1, que entra em vigor em maio de 2026. Com a nova norma, as empresas precisam incluir os riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos.
Segundo o Ministério do Trabalho, riscos psicossociais são aqueles relacionados à organização e às interações interpessoais no ambiente de trabalho. Eles incluem fatores como jornadas exaustivas, metas inalcançáveis, pressão excessiva, falta de suporte, assédio moral e sexual e conflitos. Como resultado, o trabalhador fica vulnerável a estresse, ansiedade, depressão e outros transtornos mentais.
“A nova norma NR-1 fala muito dos riscos psicossociais. E eles estão 100% interligados com a vida financeira. É algo que reflete na vida pessoal, na qualidade de vida e no bem-estar da pessoa", pontua Geraldo.
Ana Rosa Vilches, diretora de projetos especiais da ABEFIN (Associação Brasileira de Profissionais da Educação Financeira) e da DSOP, organização dedicada à disseminação da educação financeira, afirma que muitas empresas não sabiam que um colaborador educado financeiramente consegue ter uma melhor saúde mental, porque muitas das questões que envolvem estresse e depressão têm fundo financeiro.
O problema, diz a especialista, é que o colaborador nem sempre divide com a empresa a causa do problema, apenas os sintomas.
“A NR-1 vem para mostrar a todos os gestores de RH a importância da questão financeira para o cuidado da saúde. Então, é preciso entender e trabalhar a educação financeira também como um benefício, levando a obrigatoriedade de todos os colaboradores se educarem financeiramente. Será um processo mais demorado, mas os resultados são maravilhosos", afirma.
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Por que a saúde financeira dos colaboradores importa para o RH?
Segundo o estudo The Employer’s Guide to Financial Wellness, realizado pelo Salary Finance, do Reino Unido, em 2021, colaboradores endividados tendem a estar 5,3 vezes mais deprimidos e com dificuldade de enfrentar o dia a dia, e 3,7 vezes mais propensos a sofrer com crises de ansiedade e de pânico. A pesquisa apontou ainda que eles perdem entre 20 e 29 dias de trabalho por conta disso.
O resultado? De acordo com pesquisa da CNDL e SPC Brasil de julho de 2024, 43% dizem ficar mais desatentos no trabalho por conta do problema, e 35% afirmam perder a paciência com colegas. “A pessoa estressada financeiramente está mais propensa a cometer erros. Em trabalhos muito manuais nas indústrias, ela pode acabar se machucando. Esse é um problema muito sério que a gente vê", acrescenta Geraldo, da Seu Din.
Para a especialista da ABEFIN, o nível de endividamento pode impactar a produtividade do colaborador, porque ele entende que está trazendo valores para a empresa e ficando só com o ônus. “Além disso, ele está presente, mas na verdade só de corpo. Então também temos aí o presenteísmo”, acrescenta.
E o turnover acaba por entrar nesta conta também, diz o CEO da Seu Din, já que empresas relatam estarem perdendo funcionários que, endividados, pedem para fazer acordos e pagar dívidas com o valor da demissão. “Às vezes ele não consegue chegar no horário, não consegue trabalhar. E quando não vê saída, pede para ser demitido porque entende que com as verbas rescisórias vai poder pagar as dívidas mais emergenciais", acrescenta Ana.
O estudo The Employer’s Guide to Financial Wellness, realizado pelo Salary Finance, do Reino Unido, de 2021, reforça esta percepção ao apontar que trabalhadores com problemas financeiros estão três vezes mais propensos a procurar um novo emprego.
Como estruturar um plano prático de saúde financeira?
Na hora de criar um programa de ajuda aos funcionários com problemas financeiros, é preciso alguns cuidados por parte do RH.
Tudo começa por garantir que o colaborador terá sua privacidade respeitada ao dividir com a empresa a dificuldade financeira. Geraldo ressalta que é comum ouvir de pessoas que não se sentem à vontade para dividir o problema internamente. “Já ouvi pessoas dizerem que têm receio de contar para o RH que estão endividadas por medo de não serem consideradas, por exemplo, numa promoção", diz.
Na opinião de Ana, o RH pode abrir essa conversa preparando o colaborador para o projeto de vida dele. “Quando o RH trabalha bem-estar e benefícios, neste momento pode falar de educação financeira. O RH não precisa saber de quanto é a dívida, e sim o porquê dessa dívida, e mostrar a esse colaborador em que caminho ele pode melhorar.”
Segundo a especialista, é importante ampliar o olhar para a comunidade deste funcionário. "Quando o RH fala de cuidado com o colaborador, às vezes vai cuidar de quem está na casa dele. Não é responsabilidade da empresa, mas o que está acontecendo nos lares interfere demais. Precisamos ter um olhar geral, um programa que leva ao entendimento do ser enquanto membro de uma comunidade, seja essa comunidade composta por esposa, esposo, companheiro, companheira, filhos, agregados e até pets.”
Ana ressalta que, ao pensar o programa, é importante contemplar os mais variados perfis de colaboradores. Considerando essas diferenças, o planejamento da empresa precisa levar em conta a porcentagem de cada grupo no quadro de funcionários, com ações que atendam a todos.
“Fazendo com que, principalmente, se instale neles uma forma diferente de viver. Assim o colaborador começa a entender que não ganha para pagar contas, e sim para realizar os propósitos que estabeleceu", afirma Ana.
A seguir enumeramos as etapas que fazem parte de um plano de ação bem-sucedido:
- Realizar pesquisas internas: qual é a maior dor do time com relação a dinheiro? Nesta etapa, questionários e pesquisas que garantam o anonimato podem ajudar, assim como bate-papos individuais. A partir das informações colhidas, será possível visualizar a situação como um todo e entender se o plano da empresa deve ter opções para, por exemplo, ajudá-los a sair das dívidas, a administrar melhor a própria renda ou ensiná-los a investir.
- Estruturar um plano de ação: se os colaboradores têm demandas diferentes, o plano precisará prever soluções distintas. Vale partir de informações básicas de educação financeira válidas para todos e, em seguida, com o auxílio de ajuda especializada, oferecer possibilidades de acordo com as necessidades de cada um.
As ações devem considerar um planejamento de longo prazo, para além de palestras, cartilhas e planilhas, com consultorias periódicas e acompanhamento de resultados. “Muitas empresas nos contratam para fazer só uma palestra inicial, mas ela é uma parte de conscientização, depois a pessoa fica sozinha de novo. O que ela vai fazer? Como ela vai buscar ajuda?", pondera o CEO da Seu Din.
- Revisar o pacote de benefícios: vale entender com os colaboradores se o pacote de benefícios que a empresa oferece está contemplando suas principais necessidades. Por exemplo, se a companhia oferece subsídio para educação, mas a maioria precisa de auxílio home office, a troca pode beneficiá-los. Veja quais benefícios adicionais podem ser criados para auxiliar os funcionários sem aumentar significativamente o custo fixo da empresa e procure empresas que ofereçam soluções para ajudar os colaboradores com suas dívidas.
- Capacitar e envolver as lideranças: neste processo, as lideranças precisam estar alinhadas com o RH e atentas à nova dinâmica. Gestores não só podem dar o exemplo de boas práticas financeiras como também colher feedbacks para aperfeiçoar o programa.
- Divulgar o programa: sem se esquecer de deixar clara a garantia de privacidade para o colaborador, divulgue o programa, comunique seus benefícios e a importância para a empresa de ter seus funcionários desfrutando de bem-estar financeiro.
- Avaliar os resultados: estabeleça métricas a serem observadas ao longo do programa para que possa medir o impacto e o sucesso dele. Peça feedbacks, faça pesquisas, compare com o período anterior ao programa e reajuste a rota se necessário.
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Jornalista e mãe do Martin. Além de colaborar com a Flash, é assessora de imprensa na área de música e escreve sobre cultura em veículos de imprensa.