Vício em bets e jogos de azar impõem novos desafios para os RHs; saiba como lidar com problema
RHs enfrentam desafios com funcionários viciados em bets, afetando produtividade e clima organizacional. Saiba como lidar com problema e mitigar impactos.

A explosão das bets e dos jogos de azar online trouxe um novo problema para dentro das empresas: funcionários endividados, ansiosos, distraídos e até mesmo envolvidos em fraudes para sustentar o vício.
Com campanhas publicitárias massivas e a promessa de dinheiro fácil, essas plataformas já atraíram mais de 52 milhões de brasileiros ao longo de cinco anos, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva de agosto de 2024. Entre os apostadores, 45% tiveram prejuízos financeiros e 41% relataram aumento da ansiedade.
E por mais que este seja um problema pessoal do funcionário, ele ultrapassa a esfera particular: com o endividamento, vêm também a queda de produtividade, conflitos internos e até desligamentos. Um levantamento da It’sSeg, da Acrisure, aponta que 30% das companhias brasileiras já se preocupam com a influência das apostas no ambiente corporativo.
“As apostas esportivas não podem mais ser ignoradas”, afirma Gisela Belluzzo de Almeida Salles, advogada especializada em compliance e fundadora da Spectare, consultoria em bem-estar corporativo. “A cultura organizacional e a saúde dos colaboradores estão em jogo.”
Diante desse cenário, os RHs precisam agir rápido para mitigar os danos e oferecer suporte aos funcionários.
Impacto do vício em apostas no trabalho
Reconhecido pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como uma doença, o vício em jogos de azar é classificado na CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) sob os códigos Z72.6 (mania por jogos e apostas) e F63.0 (jogo patológico).
No ambiente corporativo, seus efeitos já têm se mostrado devastadores: pedidos frequentes de empréstimos entre colegas, desvio de recursos para sustentar o vício e uso de equipamentos da empresa para apostas durante o expediente —condutas que podem levar à demissão por justa causa.
"Houve um caso recente de uma funcionária que, mesmo tendo estabilidade por licença-maternidade, foi dispensada por justa causa por jogar durante o expediente e incentivar outros colaboradores a apostar", exemplifica Salles.
Empresas brasileiras já enfrentam os reflexos desse problema. Na Havan, por exemplo, funcionários pediram demissão para usar o dinheiro da rescisão para quitar dívidas de apostas. Em um vídeo nas redes sociais, o fundador da empresa, Luciano Hang, alertou sobre o risco das pequenas apostas, que podem levar à perda total do salário.
Sinais de alerta e medidas de prevenção
Os principais sinais de alerta incluem pedidos frequentes de adiantamento salarial, queda de desempenho, desinteresse pelo trabalho e isolamento social. “Muitos sentem vergonha de falar sobre o problema, o que pode levar a um ciclo de ansiedade e depressão, agravando a situação”, afirma Elizangela Silva, especialista em gestão de benefícios corporativos.
A educação financeira pode ajudar, mas não basta. “É necessário um programa estruturado, com suporte psicológico e políticas de benefícios que incentivem o uso consciente dos recursos financeiros”, reforça.
O Grupo Syngenta, holding formada pela divisão agrícola das multinacionais do setor químico Chemchina e Sinochem, por exemplo, tem investido significativamente na saúde financeira de seus colaboradores como parte de seu Programa Global de Bem-Estar. Essa iniciativa inclui a educação financeira, que é promovida por meio de ações de conscientização em canais internos e redes sociais da Syngenta Previ.
Além disso, o projeto Pra Cultivar, lançado em 2022, oferece uma série de atividades focadas em bem-estar financeiro, como a construção de orçamentos domésticos e planos para saldar dívidas.
Alguns especialistas sugerem que a solução seja um misto de acolhimento e rigor. “O apoio deve vir antes da punição, mas a empresa precisa proteger sua cultura e valores”, afirma Grazi Piva, especialista em desenvolvimento organizacional.
Como criar ações de conscientização sobre apostas
Para lidar com o problema, o primeiro passo é estabelecer um canal seguro de comunicação, em que os funcionários possam buscar ajuda sem medo de represálias. “O RH deve construir uma relação de confiança com os colaboradores para que se sintam seguros ao expor dificuldades”, afirma Salles.
Outras medidas eficazes incluem:
- Implementação de políticas claras sobre uso de equipamentos e horário de trabalho
- Palestras sobre os riscos do jogo patológico e a importância da educação financeira
- Parcerias com especialistas em saúde mental e finanças
- Treinamento de gestores para identificar sinais e abordar o tema sem julgamento
- Políticas estruturadas de benefícios, como empréstimos consignados, previdência privada e remuneração estratégica
- Encaminhamento de funcionários para suporte psicológico ou consultoria financeira, respeitando limites éticos e legais
Demitir um funcionário viciado em apostas é legal?
A demissão por justa causa de um colaborador que seja apostador compulsivo é um tema polêmico. O artigo 482 da CLT prevê que a prática constante de jogos de azar pode justificar a dispensa, mas, se o vício for tratado como uma condição de saúde, a empresa pode enfrentar alegações de dispensa discriminatória.
No entanto, se o funcionário utilizar equipamentos corporativos para apostar durante o expediente, a demissão pode ser fundamentada por indisciplina ou mau procedimento, conforme a legislação trabalhista. Para evitar questionamentos, nestes casos é essencial documentar a conduta inadequada e sua relação com o descumprimento das normas internas.
Papel da regulamentação: muito além das empresas
A experiência internacional mostra que medidas regulatórias são uma ajuda essencial para conter o problema. Na Austrália, um dos países com maior índice de apostas per capita, o governo estuda restringir a publicidade do setor para reduzir sua influência sobre novas gerações.
No Brasil, enquanto a regulamentação avança, o problema ganha status estratégico no mundo corporativo. “Investir no bem-estar financeiro dos colaboradores não é apenas uma ação de cuidado, mas uma iniciativa com impacto direto nos resultados da empresa”, ressalta Silva.
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