Ponto de atenção: por que RH precisa ficar de olho em funcionários hiperprodutivos?
De olho na saúde mental dos funcionários, o RH precisa estar atento à hiperprodutividade, que pode levar ao burnout e à perda de talentos.

Se você é do time de recursos humanos, provavelmente já ouviu falar sobre aquele profissional dedicado que, frequentemente, entrega mais do que o esperado. E apesar de parecer contraditório, isso nem sempre é positivo para as empresas. Os profissionais hiperprodutivos já foram muito celebrados dentro dos times, mas, de um tempo para cá, lideranças, equipes de recursos humanos e os próprios colaboradores começaram a perceber que performance extrema não significa sempre excelência. Na verdade, pode ser um sinal de alerta.
O excesso de entrega, quando faltam equilíbrio e suporte, pode levar a ansiedade, burnout, desmotivação, perda de talentos e prejuízos organizacionais a médio e longo prazo.
Para discutir como a hiperprodutividade pode afetar equipes de trabalho e qual é a função do RH nesse contexto, a Flash conversou com a psicóloga Julianne Castiglioni Giacomino, da Caliandra Saúde Mental, e com a consultora em Recursos Humanos Camila Paoletti, da Wepeople, especialista em processos de aprendizagem.
O que caracteriza um colaborador hiperprodutivo
A hiperprodutividade é um estado em que o colaborador mantém níveis elevados e constantes de entrega, frequentemente ultrapassando os limites saudáveis de esforço e tempo, segundo a psicóloga Julianne Giacomino.
Em um primeiro momento, pode parecer positivo ter alguém na equipe que está sempre disponível e apresentando resultados além dos esperados. Mas a hiperprodutividade, a longo prazo, tende a mascarar sinais de adoecimento psíquico, como ansiedade, esgotamento e perda de sentido no trabalho.
“A hiperprodutividade é muito diferente do engajamento”, diz Julianne. “O engajamento é quando você tem a motivação, tem a entrega e isso não vai afetar diretamente outras áreas da sua vida. Na hiperprodutividade, o colaborador extrapola. Você até sabe que é importante fazer pausas, evitar hora extra…mas não se sente culpado e acaba extrapolando. Não respeita os seus limites.”
Trabalhar além do expediente de forma sistemática, assumir voluntariamente tarefas que extrapolam sua função, responder a mensagens e e-mails em horários não comerciais, recusar férias e folgas e demonstrar desconforto com o descanso são comportamentos que caracterizam o perfil hiperprodutivo.
Existem diversos motivos por trás dessa postura, como a busca incessante por reconhecimento, o medo de demissão, o perfeccionismo ou uma cultura organizacional que valoriza mais a atividade do que a efetividade.
O trabalho na era do multitasking e da hiperconectividade
Tanto o modelo de trabalho quanto a hiperconectividade (incluindo muitas telas e redes sociais) acabam influenciando os colaboradores a não descansarem e a continuarem preocupados com as múltiplas tarefas e entregas, mesmo fora do horário e do ambiente laboral.
Para Julianne, “a hiperconexão alimenta a ideia de que estar disponível o tempo todo é um valor profissional”. “Isso é um mito. O cérebro humano precisa de pausas para manter a criatividade, o foco e a tomada de decisão. Por isso, controlar o acesso não significa atrapalhar o trabalho, mas otimizá-lo”, afirma a psicóloga.
A consultora Camila Paoletti cita o escritor Daniel Coleman, que em seu livro “Foco” explica que o cérebro humano não foi feito para pensar em múltiplas tarefas o tempo todo. Segundo Paoletti, o foco do ser humano é único, como se fosse um “fio” saindo da mente de cada pessoa. Ao executar diversas tarefas ao mesmo tempo, isto gera uma perda na qualidade das entregas.
“Estamos diluindo e dissipando a nossa atenção e não estamos presentes em quase nada. E isso gera um superaquecimento neuronal. O burnout vem por esse superaquecimento.”
Somado ao excesso de tarefas simultâneas, a sociedade contemporânea foi moldada, nos últimos anos, para dizer sim e promover uma cultura de que somos capazes de dar conta de tudo. Na prática, isto não é sustentável, segundo a consultora.
Riscos da hiperprodutividade
Diferentemente do que se imagina, manter funcionários em altíssimo desempenho por um longo período não é benéfico para as empresas. Pelo contrário: esse comportamento, se não monitorado, pode levar a quadros de esgotamento, queda de produtividade da equipe, ambiente de trabalho tóxico e alta rotatividade.
Entre os riscos associados à hiperprodutividade, estão:
- Burnout e adoecimento mental: o excesso de tarefas sem pausas adequadas, a definição de metas cada vez mais altas e a pressão (tanto interna quanto externa) estão entre os fatores que podem afetar diretamente a saúde do colaborador.
- Desmotivação coletiva: colegas podem se sentir pressionados a acompanhar o ritmo, gerando tensão ou competitividade tóxica.
- Turnover alto e perda de talentos: colaboradores hiperprodutivos tendem a sair da empresa após crises de esgotamento ou a produzirem menos por não se sentirem confortáveis depois do diagnóstico.
- Falsos indicadores de performance: focar em quantidade e não em qualidade pode distorcer os dados reais de produtividade.
O que o RH deve fazer para identificar o colaborador hiperprodutivo
O desafio para o RH está justamente em identificar quando o alto desempenho deixa de ser saudável e passa a sinalizar uma sobrecarga emocional ou psicológica.
A identificação precoce é fundamental para evitar danos maiores. O RH precisa estar atento a comportamentos como:
- Trabalhar além do horário todos os dias sem que haja uma demanda crítica que justifique.
- Dificuldade em delegar tarefas ou resistem a dividir responsabilidades.
- Colaboradores que se mostram ansiosos quando não estão sobrecarregados.
- Afastamento social dentro da equipe, ausência em eventos corporativos ou em confraternizações.
- Recusa em tirar férias ou licenças, mesmo quando já acumuladas.
Papel estratégico do RH para evitar problemas ligados à hiperprodutividade
Na análise de especialistas, muitos profissionais hiperprodutivos podem estar mascarando ansiedade, baixa autoestima ou uma tentativa de compensar a falta de apoio ou estrutura da empresa.
Por isso, o papel do RH é avaliar não apenas o comportamento e resultados dos colaboradores, mas também o modelo de trabalho dentro da empresa.
“Que elementos da cultura organizacional estão favorecendo e premiando a hiperprodutividade? De que maneira o sistema e a cultura exigem que as pessoas ultrapassem os próprios limites? Temos que pensar no modelo de trabalho que precisa ser desenhado para que a sobrecarga não seja normalizada”, diz Camila.
Mais do que reconhecer a hiperprodutividade como uma ameaça disfarçada de eficiência, o RH precisa atuar de forma estratégica.
Uma das ações mais importantes é ouvir os colaboradores. Camila aponta que as avaliações do ambiente de trabalho devem ser feitas em curtos intervalos de tempo, para evitar o agravamento dos casos.
Alguns tópicos a serem considerados na avaliação são a quantidade esforço aplicado nas atividades, estresse, o quanto a pessoa sente que é encorajada a ter momentos de pausa e de aprendizagem no trabalho, além discutir sobre metas e a forma como as lideranças motivam seus times.
A psicóloga Julianne sugere ainda a implementação de screenings de saúde mental, que são breves questionários validados cientificamente que ajudam a identificar sinais precoces de estresse crônico, burnout, ansiedade e depressão.
“Esses instrumentos devem ser aplicados de forma ética, confidencial e voluntária, com suporte profissional para encaminhamentos quando necessário”, complementa.
Outros exemplos práticos de ações que o RH deve adotar quando o assunto é hiperprodutividade:
- Redefinir o que é alta performance: incentivar o foco em resultados com qualidade, e não em volume de entregas.
- Estabelecer limites claros: reforçar políticas de jornada de trabalho, pausas durante o expediente, folgas e férias.
- Oferecer canais seguros de comunicação e de suporte emocional: incluir programas de saúde mental, escuta ativa e apoio psicológico.
- Promover uma cultura de equilíbrio: valorizar a pausa, os momentos de descanso e lazer e o bem-estar dentro do escritório como partes fundamentais da produtividade sustentável.
- Capacitar lideranças: treinar gestores para identificar sinais de sobrecarga e agir com empatia e orientação, já que são eles que lidam diariamente com suas equipes e devem conhecer seus colaboradores.
Como medir a produtividade de forma inteligente e ética
Desenvolver uma metodologia para medir a produtividade é importante para evitar problemas que aparecem como consequência da hiperprodutividade.
O relatório “Estratégias eficazes para monitorar e medir a produtividade da força de trabalho”, da consultoria Gartner, indica que esse é um processo complexo – que deve considerar não apenas a atividade dos colaboradores, mas também a efetividade das entregas e o alinhamento com os objetivos estratégicos.
A consultoria lembra que a preocupação com a produtividade aumentou desde 2020,quando a pandemia de covid-19 obrigou empresas de todo mundo a implementar o sistema híbrido ou remoto de trabalho. Recentemente, houve mais investimentos em inteligência artificial generativa, que também traz impactos ao trabalho e seus resultados.
A Gartner afirma que o monitoramento da produtividade tem um custo, que normalmente inclui software, implementação e suporte, modelagem da cultura organizacional e confiança. Os tomadores de decisão precisam avaliar os investimentos com cuidado e não adotar métodos invasivos e inadequados.
Abaixo, algumas estratégias práticas recomendadas pelo relatório:
- Defina claramente o que você quer medir
Muitas vezes, “produtividade” é confundida com atividade. É preciso distinguir: atividade é o tempo e o volume de tarefas executadas. Mas a produtividade tem a ver com a qualidade das entregas e o impacto nos objetivos da empresa.
- Utilize ferramentas adequadas
Há diversas soluções tecnológicas para monitoramento da produtividade. As mais comuns são:
- Ferramentas de rastreamento de tempo: ideais para mapear quanto tempo é investido em cada tarefa.
- Soluções de análise de desempenho: medem tempo de atividade, uso de aplicativos e padrões de trabalho.
- Ferramentas de mineração de processos: indicadas para analisar gargalos operacionais e tarefas repetitivas. A partir da ciência de dados, é possível validar e melhorar processos de trabalho por meio destas ferramentas.
- Definição de objetivos e resultados-chave (OKRs) e gestão estratégica: permitem alinhar metas individuais e de equipe aos objetivos da organização.
- Avalie o impacto na cultura e na confiança
Antes de implementar qualquer ferramenta é essencial analisar o grau de confiança dentro da organização. Monitoramento excessivo pode gerar clima de vigilância e medo.
O RH deve garantir transparência, explicar a finalidade das análises e envolver colaboradores no processo de definição de indicadores.
- Foque na melhoria contínua, não na punição
A coleta de dados deve servir para orientar decisões, treinar equipes, redistribuir tarefas e apoiar quem precisa, não para criar rankings que fragilizam o clima organizacional.
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Luciane Scarazzati é jornalista e acredita no poder transformador da informação e da educação. Atuou nas equipes que lançaram a CNN Brasil e o site de notícias G1 e também trabalhou em outros importantes veículos de imprensa, como TV Globo, UOL e Jornal da Tarde.