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Para psicóloga de Harvard, é possível reprogramar o cérebro e lidar melhor com o desconforto e o estresse

Em entrevista exclusiva, Luana Marques fala sobre a evitação psicológica e defende que é possível reprogramar o cérebro para enfrentar o desconforto.

Flash

"Evitação". Você pode até não conhecer o termo com este nome, mas certamente já lidou com ele. Trata-se de fugir daquilo que não nos é confortável. 

Não conseguir pedir aquele aumento por medo da reação do gestor, não ter disposição para buscar um novo emprego mesmo odiando o trabalho atual. Até mesmo pesar a mão na agressividade durante uma reunião de trabalho é um exemplo de evitação, segundo a psicóloga brasileira Luana Marques, professora de psicologia da escola de medicina de Harvard. 

Há 20 anos estudando o tema, Luana acaba de lançar o livro "Viver com Ousadia: Uma abordagem científica para reprogramar a maneira como você lida com o desconforto e o estresse" (ed. Sextante, 2023), resultado de suas pesquisas no qual explica as razões pelas quais nosso cérebro nos conduz naturalmente à evitação.  

Em entrevista exclusiva ao blog da Flash, Luana conta como este fenômeno se manifesta no dia a dia — e como é possível reprogramar os pensamentos para contornar a evitação. Confira os principais trechos a seguir: 

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Seu livro "Viver com Ousadia" é fruto de anos de pesquisas sobre evitação psicológica. O que a levou a estudar o tema? 

Luana: Comecei a estudar a evitação psicológica quando passei a notar que todos os meus pacientes, independentemente do diagnóstico, tinham um problema de evitação. Por exemplo, a pessoa que está em um trabalho muito bom, mas evita pedir um aumento. Ou, a pessoa que está em um relacionamento que acha que não funciona mais, mas evita sair por causa das emoções e do medo. Então eu notei que a evitação era realmente a infecção que todos os meus pacientes estavam tendo, independentemente da dificuldade que apresentavam. E isso me levou a estudar o tema pelos últimos 20 anos.

E como você define a evitação psicológica? 

Luana: A evitação psicológica acontece quando o nosso cérebro percebe alguma ameaça, mesmo que ela não seja um perigo verdadeiro, e tenta evitar as nossas emoções. Então o que acontece: quando temos um sentimento de que alguma coisa pode nos ameaçar, o que o cérebro faz é tentar evitar o desconforto. A evitação é, então, essa tentativa de diminuir qualquer emoção que nos deixe com medo, ansiedade, que gera esse desconforto. Procuramos um alívio rápido e acabamos presos a esse ciclo a longo prazo.

Quando a evitação se manifesta no dia a dia dos profissionais? 

Luana: Há formas diferentes de as pessoas evitarem. Algumas recuam, outras reagem e há ainda quem permaneça congelado, que é o paralelo da fuga, da luta e do congelamento que acontece no cérebro. 

Então, por exemplo, algumas pessoas procrastinam, algumas pessoas evitam apresentações e outras sempre parte para o conflito direto sem pensar duas vezes.

De forma prática, o que podem ser sinais de evitação psicológica? 

Luana: Alguns exemplos do recuo como estratégia de evitação é desviar os olhos durante conversas difíceis, exagerar nos exercícios físicos, remarcar reuniões indesejadas e deixar emails se acumularem. 

Já sinais de reatividade como evitação é quando agimos para eliminar o que o nosso cérebro percebe como possível ameaça. Então, é no momento que transformamos uma conversa em uma discussão, respondemos impulsivamente a um e-mail ou recorremos a autoridades antes de tentar soluções menos drásticas. 

E, por último, a permanência é percebermos a ameaça e permanecemos imóveis. Nosso cérebro parece atolado, como se não conseguisse pensar nem sentir muito, tampouco planejar uma ação. É quando continuamos no mesmo emprego, mesmo infelizes, passamos horas sentados sem fazer nada ou não conseguimos responder simples perguntas. 

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Que prejuízos a evitação traz no âmbito profissional e para a saúde mental?

Luana: Quando evitamos conversas difíceis e desconfortáveis, o que estamos dizendo para o nosso cérebro é que não temos habilidade suficiente para lidar com desconforto. Então, imagine que um colega de trabalho fala uma coisa que você não gosta, te dá um feedback que não seja razoável, por exemplo. E você, em vez de abordar o conflito, você evita. No curto prazo, você se sente melhor, mas a longo prazo, toda vez que você ver esse colega de trabalho, você vai ter mais dificuldade, você vai ficar mais ansioso. 

Quais são os efeitos disso para a nossa saúde mental e bem-estar? 

Luana: O que acontece, para a sua saúde mental, é que você vai começar a ficar ansioso antes de ir para o trabalho por causa da antecipação que esse conflito com um colega poderia te causar.

E esse é o grande problema da evitação psicológica: ela aumenta o desconforto, aumenta a ansiedade a longo prazo. Infelizmente esse comportamento treina o nosso cérebro, como se tivesse um perigo muito grande. Quando na verdade é um perigo aparente, não é um perigo real.

Como as empresas podem estimular que os colaboradores tenham mais conversas difíceis? 

Luana: Para a pessoa enfrentar o desconforto, ela tem que estar em um ambiente de segurança psicológica. Diversas pesquisas mostram que quando não há uma sensação de que a cultura em que se está inserido aceita as diferenças, seja no jeito de agir ou pensar, é impossível se sentir seguro psicologicamente no trabalho. E se você não está seguro, você não consegue enfrentar nada, incluindo o desconforto. 

Leita também: "Ninguém falava sobre o esgotamento entre os líderes", diz ex-CEO que enfrentou o burnout

É possível mudar a maneira de lidar com o desconforto e o estresse que ele acarreta? 

Luana: Sim. Temos que entender que há habilidades que podem treinar o nosso cérebro para lidar com o estresse. São três habilidades importantes: modificar, abordar e aliar. Ou seja, em vez de evitar, temos que modificar o nosso pensamento. A maioria das pessoas que eu conheço conversa com elas mesmas de uma maneira negativa, de uma forma crítica, que julga tudo que podemos fazer. 

O primeiro passo, então, é aprender a ter pensamentos mais equilibrados. É poder se perguntar em um momento de estresse e de medo: ‘O que eu falaria para o meu melhor amigo nessa situação?’. 

Ao mudar a forma de pensar, fortalecemos outra habilidade que é a capacidade de abordar. Que é o contrário da evitação, abordar é sair dessa zona de conforto para vencer as dificuldades. E a terceira coisa que podemos fazer para reprogramar o nosso cérebro e lidar com desconforto é alinhar os nossos valores com as nossas ações. 

Poderia dar um exemplo deste terceiro ponto? 

Luana: A maioria do estresse acontece quando as coisas mais importantes para nós, os nossos valores, não estão alinhados com o nosso dia a dia. Por exemplo, você gosta muito de ter uma vida saudável, saúde é um valor importante, mas você não come bem, não dorme o suficiente, não faz exercícios. Então, logicamente, você se sente mais e mais estressado. 

Se você é uma pessoa que tem ambição como valor, mas trabalha em uma companhia e faz a mesma coisa todo dia, você vai começar a ter mais estresse. Então, para alinhar, temos que mudar as nossas ações no dia a dia, para que elas estejam de acordo com os nossos valores mais importantes. E é assim que conseguimos reprogramar o estresse e viver uma vida muito melhor, com ousadia.

Confira um papo exclusivo com a Luana Marques em nosso canal do Youtube: 

 

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