'Escuta ativa e formação de líderes são pilares para segurança psicológica', diz diretora de RH da Zeiss
Em entrevista, Fabíola Ancioto conta como a Zeiss alcançou índices de segurança psicológica acima da média de mercado.
A construção da segurança psicológica nas empresas não depende de uma única ação ou “bala de prata”. Ela exige escuta ativa, lideranças preparadas e uma cultura organizacional que se materializa no comportamento diário dos gestores.
É o que defende Fabíola Ancioto, diretora de RH da Zeiss Vision, em entrevista exclusiva ao blog da Flash. Para ela, a segurança psicológica está diretamente ligada ao modo como líderes e equipes se relacionam.
“Quando eu falo de segurança psicológica, é sobre o jeito que eu me relaciono com quem está comigo. Então, a cultura não é uma entidade, ela é personificada na presença do meu gestor e em como eu me relaciono com ele e com os meus pares. Isso é que faz com que eu me sinta pertencente ou não a um espaço”, afirma.
Com mais de 20 anos de experiência em Recursos Humanos, Fabíola já atuou em empresas como Ambev, Raízen, Zurich Seguros e GPT/Vivo. Sua vivência em grandes corporações, multinacionais e startups ampliou sua visão sobre cultura, processos, tecnologia e saúde mental.
Na entrevista a seguir, a executiva explica como a Zeiss alcançou 74% de índice de segurança psicológica — acima da média de mercado, de 69% — e detalha o papel do RH nesse processo.
Vem conferir!
Quais os principais desafios à frente do RH da Zeiss?
Fabíola Ancioto: A Zeiss nasceu há mais de 100 anos como uma empresa de pesquisa e tecnologia. É uma companhia alemã, com uma visão muito sólida sobre o mercado, o consumidor e o que quer entregar. A solidez da marca Zeiss é muito forte. O meu principal desafio em Recursos Humanos é transpor para o nosso consumidor essa cultura sólida que eu tenho dentro da Zeiss e, ao mesmo tempo, ampliar os processos de desenvolvimento de liderança.
Somos uma empresa centrada em pessoas, e isso é muito claro. Então, tem um terreno fértil para eu atuar com desenvolvimento de liderança e, junto disso, um projeto mais ousado: como a gente começa a dar um repertório melhor para essa estrutura de RH? Como eu chego com um olhar diferente de quem estava aqui há 10 anos?
Qual o papel da segurança psicológica nesse processo?
Somos uma empresa muito voltada para pessoas. E, de uns dois anos para cá, começamos a receber novas certificações. Além do Great Place to Work, que já tínhamos há algum tempo, passamos a ser certificados também em Saúde Psicológica e Segurança Psicológica. Em 2025, ganhamos um prêmio nessa área.
Mas o que é segurança psicológica para nós? É um ambiente no qual o colaborador se sente seguro para ser quem ele é e para dar sua opinião. De um jeito mais simples, é poder dizer: “eu quero ser quem eu sou na minha casa, com meus colegas de trabalho, na frente de outras pessoas, principalmente da liderança”.
E por que esse é um tema que vale a pena priorizar nas empresas?
Nós fizemos recentemente um Censo de Saúde Mental, com a Vittude, empresa certificada focada em programas de saúde mental. Eles medem várias esferas: presenteísmo, monitoramento de assédio, percepção de ambiente, segurança psicológica e sofrimento psíquico, muito voltado para burnout.
Tivemos 85% de adesão ao censo, o que é incomum. A própria empresa nos disse que normalmente esse índice fica em 50%. Foi o maior índice de adesão da história deles, o que mostra o quanto as pessoas aqui são engajadas.
Quando olhamos para essa amostra, num país que é o mais ansioso do mundo e o quinto mais deprimido, ficamos entre os 25% mais bem avaliados da história da Vittude. Claro que ainda tenho espaço para manobra. Mas quando olho para o índice de segurança psicológica, por exemplo, a média de mercado é 69% e nós ficamos com 74%. Também acima da média.
Para você, quais são os fatores que apoiam esses resultados?
Em seus comentários, os colaboradores falaram de autonomia para fazer o próprio trabalho, suporte da liderança, equidade [incluindo questões salariais, de gênero, de pertencimento] e saúde mental. Essa avaliação de segurança psicológica englobava esses cinco pilares. Neles, a gente se destaca muito em suporte do gestor e senso de pertencimento.
Ainda há espaço para melhorar em autonomia e equidade, mas em pertencimento, suporte da liderança e na forma como as pessoas avaliam a própria saúde mental, temos notas acima de 80, que são consideradas excelentes. Isso indica que estamos caminhando para menos sofrimento psíquico aqui dentro. Um ambiente em que você tem autonomia e se sente pertencente ajuda muito. São pontos que conseguimos administrar para entender melhor a percepção de assédio e outros temas. E são coisas que estamos sempre mapeando dentro das áreas para trabalhar. Esses são alguns aspectos que nos ajudam nessa questão da segurança psicológica.
E como vocês constroem essa segurança no dia a dia?
Para mim, são duas grandes frentes: escuta ativa do colaborador e desenvolvimento de liderança. São dois pilares que podem pautar todo o crescimento da estrutura.
No ano passado, por exemplo, eu fiz mais de oito escutas ao longo do ano. Pesquisas simples, do tipo: “Você recomenda a Zeiss para trabalhar, de 0 a 10? Por que sim? Por que não?”.
Faço a mesma pergunta mais de três vezes ao ano em relação à liderança: “Você indicaria sua liderança para alguém trabalhar? Sim ou não? Por quê?”. Além disso, rodo outras pesquisas: Great Place to Work, Censo de Saúde Mental, Censo de Diversidade e Inclusão.
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Essas escutas geram ações, é isso?
Sim, tenho criado várias bases de escuta para acolher a informação do colaborador e usar isso para nortear os programas de desenvolvimento, de forma mais assertiva, respeitando orçamento e prioridades.
Quando olho para a liderança, trabalhamos muito forte no ano passado com a base da fábrica e com o time comercial. Eu escolho frentes, porque meu budget não é infinito. No ano passado, escolhemos atuar com a base de liderança que nunca tinha tido formação e com o time comercial.
Para este ano, vamos para outra estratégia. Depois do censo de saúde mental, vamos entrar com programas focados em segurança psicológica e saúde mental. Vamos fazer uma formação só para executivos, outra para gerentes e outra para o primeiro nível de gestão. Eu acredito muito que é isso que traz bons resultados. Temos falado bastante sobre o tema aqui dentro da Zeiss.
Os resultados de aumento de 10 pontos percentuais de NPS fizeram parte dessa pesquisa interna?
Fizeram, sim. Uma dessas escutas que comentei está dentro disso. E eu te falo: não tem bala de prata. A gente atuou no ano passado em algumas frentes: fizemos uma revisão de benefícios e fortalecemos os programas de desenvolvimento de liderança. Acredito que isso ajudou muito nesse aumento. Crescemos tanto no percentual de engajamento quanto na percepção de liderança, em um ano dificílimo em termos de resultado, economia mundial e tudo mais.
O NPS [Net Promoter Score], que mede se você recomenda a empresa para trabalhar, saiu de 56 para 65. E a avaliação da liderança saiu de 49 para 59. A pergunta é se você recomenda sua liderança para alguém trabalhar, que é o LNPS, de “Leadership”.

Que conselhos você daria para empresas que querem priorizar segurança psicológica?
Eu daria dois conselhos, alinhados com os pilares que eu trabalho: desenvolva e escute a sua liderança, e o seu colaborador. Para mim, não tem muito segredo. Parece fácil, mas não é. Você precisa entender que nunca vai ter uma bala de prata para resolver o problema. Mesmo com todas essas ações, você não está imune a situações mais sérias de saúde mental, como um quadro de esquizofrenia ou outras doenças. O que eu acho que temos hoje é muito mais lucidez para enfrentar.
Esse tipo de conversa franca com as pessoas, com transparência e clareza, ajuda muito. Em setembro, passamos o mês falando sobre suicídio, trazendo cases e entendendo possibilidades, porque as pessoas precisam ouvir. Antes, a gente evitava falar de certos temas. Hoje, falamos justamente para mostrar que são importantes. Acho que a palavra é essa: cuidado.
Nesse tipo de trabalho, resultados tão positivos dependem da maturidade da empresa como um todo?
Dependem da maturidade da empresa, mas principalmente da liderança. Se você me perguntar se existe muita diferença no jeito de tratar segurança psicológica numa startup ou numa empresa mais tradicional, como a minha, que é uma multinacional, eu diria que não. A diferença está na forma como você prepara seus líderes.
É a cultura do seu negócio que vai dar o tom de como você desenvolve pessoas e liderança. Liderança é chave. Quando falo de segurança psicológica, estou falando do jeito como eu me relaciono com quem está comigo. A cultura não é uma entidade abstrata, ela é personificada na figura do gestor e na forma como me relaciono com ele e com meus pares. É isso que faz alguém se sentir pertencente ou não a um espaço.
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Sui é jornalista, compositora e cantora. Possui bastante experiência em Educação e Política, com agências e clientes da esfera pública.
