Reforma tributária deve reduzir complexidade para as empresas e aumentar produtividade, diz economista-chefe do Banco Inter
O que muda no dia a dia do departamento financeiro com a Reforma Tributária? Economista do banco Inter explica os impactos do novo sistema.
Depois de quase 40 anos de debate no Brasil, a Reforma Tributária começa a ganhar seus contornos definitivos. A proposta de emenda à constituição (PEC) de nº 45/2019 que substituiu cinco impostos por um único, o IVA Dual, foi aprovada em dezembro de 2023 e agora aguarda a regulamentação no Congresso Nacional.
Com as discussões entre os parlamentares acelerando, o tema segue chamando a atenção e dividindo opiniões dos executivos da área financeira. De um lado, alguns líderes estão otimistas em relação à simplificação das regras. Do outro, críticos acreditam que o resultado da Reforma será uma carga tributária maior. Prova disso é que, segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (IBEF-SP) 66,7% dos CFOs têm a perspectiva de pagar mais impostos com as novas regras.
Diante desse contexto, o que as empresas, de fato, podem esperar de impactos diretos e indiretos da Reforma Tributária? E, embora a implementação das mudanças só deva começar oficialmente em 2026, o que os líderes financeiros podem fazer para se preparar para o novo sistema? Para debater tudo isso, o blog da Flash conversou com Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter. Confira a seguir:
Quais serão os impactos diretos sentidos pelas empresas quando a Reforma Tributária entrar em vigor?
Rafaela: É importante pensar nos impactos como uma evolução ao longo do tempo. Em um primeiro momento, teremos dois sistemas tributários rodando em paralelo, e isso, claro, trará um aumento de complexidade. Principalmente no início, acredito que será um período conturbado, que vai demandar aos empresários e executivos da área financeira muito planejamento e organização. Mas, passando a transição, teremos um sistema bem mais simples, o que trará ganhos de produtividade para toda a economia.
Quais são as evoluções no sistema tributário que mais trarão impactos?
Rafaela: O principal ponto é a questão da compensação tributária [mecanismo usado pelo contribuinte para recuperar impostos que tenha pago a mais ou indevidamente]. É a parte mais inovadora da Reforma Tributária. Hoje, no Brasil, só temos compensação em questões muito específicas, dentro dos Estados. Com a Reforma Tributária, isso será bem mais amplo e, ao mesmo tempo, simples.
Apesar dessa simplificação, é preciso se preparar para aproveitar da melhor forma. Principalmente os setores ligados a serviços, que têm uma tributação menor hoje, vão ter que estar bem atentos às possibilidades de compensação. Isso porque, em um primeiro momento, eles vão se deparar com uma alíquota maior do que a paga hoje, e essa estratégia de compensação poderá ser fundamental para que consigam uma alíquota efetiva menor.
Então, os impactos da Reforma Tributária serão diferentes de acordo com cada setor?
Rafaela: Sim. Como em toda transição, além das mudanças gerais, os executivos terão de estar atentos aos impactos específicos nos seus setores. Setores que hoje lidam com questões tributárias mais complexas, que têm presença em todo o Brasil, produção em diversas regiões, provavelmente vão sentir um alívio já em um primeiro momento, logo após a transição. Em paralelo, outros setores estão muito preocupados com a alíquota. Como hoje temos uma tributação desigual, é natural que os impactos sejam diferentes e isso ajuda a explicar por que alguns mercados estão mais resistentes à Reforma Tributária enquanto outros comemoram as mudanças.
E quais os ganhos relacionados à questão da compensação, que você comentou?
Rafaela: Esse é um tópico muito importante, porque ainda muitos empresários e executivos não estão atentos a ele e é um aspecto que pode mudar muitas coisas dentro da empresa. Ao cotar um fornecedor, a possibilidade de compensação vai ser um aspecto importante, uma vez que pode impactar a alíquota efetiva que será recolhida por aquela empresa. É um ponto de atenção importante, porque, pelo menos a princípio, teremos regimes coexistindo, uma vez que o Simples, por exemplo, não está contemplado na Reforma Tributária.
Isso pode restringir a atuação das empresas optantes pelo Simples?
Rafaela: Quando a Reforma Tributária estiver em vigor, para uma empresa que paga IVA (Imposto sobre Valor Agregado), será mais interessante fazer negócio com empresas que paguem o mesmo imposto, para buscar as compensações. Isso muda tanto os fatores de decisão sobre um fornecedor, quanto a pertinência de estar ou não nesses regimes diferenciados. Ao longo do tempo, imagino que o Simples fique restrito a perfis muito específicos de negócio, que não tenham relação com empresas maiores.
As empresas estão prontas para as mudanças culturais decorrentes da Reforma Tributária?
Rafaela: Eu acredito que ainda não. O debate hoje está muito focado na alíquota. Vejo muitas críticas apontando que teremos o maior IVA do mundo, mas a realidade é que estamos debatendo a alíquota de um novo sistema, sendo que sequer temos clareza do que pagamos atualmente.
Com o modelo atual, você não sabe qual imposto está pagando sobre o consumo. Mesmo quando se apresenta a diferenciação de imposto na nota fiscal, boa parte daqueles números são estimados. E como no modelo atual não temos a compensação tributária, você tem tributação ao longo da cadeia.
Temos esse viés de olhar só para a alíquota, mas o grande ganho dessa Reforma Tributária é o jeito como vai acontecer a tributação. Temos dois pontos muito importantes: um é a tributação no destino, acabando com a guerra fiscal, e o outro é a compensação tributária dentro da cadeia produtiva.
A guerra fiscal entre os Estados, que brigam para ver quem consegue atrair mais investimentos privados, é um tema recorrente no modelo atual. O novo sistema esvazia essa disputa?
Rafaela: Sim, o benefício desse formato vai além da simplificação burocrática, da maior facilidade de recolher os impostos. Com o fim da guerra fiscal, as empresas podem pensar na alocação de capital de um jeito diferente. A escolha de onde construir uma fábrica, por exemplo, volta a ser baseada em decisões sobre produtividade e logística e não sobre desconto no imposto. Isso é um grande ganho.
Em termos operacionais, a vida tributária das empresas vai ser facilitada com a Reforma Tributária?
Rafaela: Sem dúvida. Assim que passar o período de transição, esse ganho vai ser significativo. Comparo com o que aconteceu na década de 1990, quando resolvemos a hiperinflação.
Naquela época, as empresas tinham departamentos que cuidavam só dos aspectos relacionados à inflação para estabelecer estratégias que protegessem o negócio da perda de poder de compra.
O fim da hiperinflação nos fez ver de fato o tamanho das amarras que existiam na economia brasileira, tanto que veio um crescimento acelerado após esse período. Acho que veremos algo semelhante agora.
Pode citar um exemplo de processo que ficará menos complexo?
Rafaela: A redução do litígio é um exemplo desse impacto operacional. Hoje, não só a empresa gasta muitas horas na apuração de imposto, como também investe tempo, dinheiro e energia em disputas legais sobre o que foi ou deveria ter sido recolhido. Com a Reforma Tributária, isso tende a ser reduzido, o que é bom para as empresas e para o governo, uma vez que há um ganho de previsibilidade da arrecadação
Acredita que a Reforma Tributária vai tornar o mercado brasileiro mais atrativo para investimentos internacionais?
Rafaela: Se olharmos empresas estrangeiras que vêm operar no Brasil, a complexidade tributária é sempre citada como um empecilho, sem dúvida. Então, as perspectivas são positivas nesse cenário, ainda mais se considerarmos o fim da guerra fiscal entre os Estados e a maior possibilidade de uma boa alocação de capital.
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O que os times financeiros devem fazer desde já para estarem prontos para a Reforma Tributária?
Rafaela: A regulamentação da Reforma Tributária ainda está sendo debatida no Congresso, então o primeiro passo é ficar atento ao progresso da pauta, até termos todas as regras definidas. Aí, sim, os times começam a se adaptar.
Viveremos um período longo o suficiente para que todos consigam se adequar, ainda mais levando em conta o papel que a tecnologia tem desempenhado. Ela será um apoio fundamental nesse momento, tanto para as empresas ganharem agilidade no período intermediário, quanto para o governo, que vem aumentando a eficiência da arrecadação.
A partir do momento em que for iniciado o processo de adaptação, temos que ficar atentos a como isso se dará na prática. Acredito que em um período não muito distante teremos a chance de rediscutir alguns pontos, principalmente as exceções que, conforme forem reduzidas, vão nos trazer, finalmente, um sistema mais bem distribuído do ponto de vista de carga tributária no Brasil.
Jornalista, divide sua rotina entre o filho, projetos de comunicação para empresas inovadoras e um romance que logo será publicado.