Chuvas intensas e seca histórica: como empresas devem se preparar para enfrentar desastres climáticos
Saiba como o RH e a liderança devem agir frente aos desastres climáticos que afetam a rotina de trabalho e a vida dos colaboradores.

Moradores da cidade de São Paulo passaram a receber, nos últimos meses, um aviso no celular que não chega via Whatsapp nem SMS e só é fechado com o comando do dono do aparelho. É o alerta severo ou extremo da Defesa Civil, que informa sobre chuva forte, raios e vento. “Abrigue-se”, diz a mensagem.
A mensagem passou a ser enviada no começo de dezembro de 2024 no estado de São Paulo. Na capital, a estreia foi no fim de janeiro de 2025. Nas semanas seguintes, os avisos se multiplicaram – assim como os transtornos causados pelas tempestades.
Ao mesmo tempo, os meteorologistas alertam que os eventos climáticos extremos, como temporais e seca persistente, serão cada vez mais frequentes em todo o mundo.
Na prática, isso significa adaptar rotinas não só na vida pessoal, mas também na profissional. Para falar de um aspecto bem direto: a locomoção de um lugar para outro pode ficar impraticável. Pior ainda quando o problema ocorre no local onde a empresa opera.
Uma pesquisa realizada pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud), em parceria com a Universidade de Oxford e GeoPol, indicou que sete em cada dez brasileiros tiveram uma experiência recente relacionada com eventos climáticos extremos.
No total, 85% dos entrevistados no país defendem que o Estado tenha uma ação mais efetiva para enfrentar questões climáticas – no mundo todo, o percentual é de 80%. Foram entrevistadas 73 mil pessoas, em 77 países. Os dados foram divulgados em junho do ano passado.
Diante dessa nova realidade, qual é o papel do departamento de Recursos Humanos? Como ele pode apoiar os colaboradores impactados pelos desastres climáticos? E como ele atua quando a sede ou unidades da empresa são atingidas?
Para responder a essas perguntas, conversamos com Gérson Silva, diretor de relacionamento e mercado da ABRH-RS (Associação Brasileira de Recursos Humanos - Seccional Rio Grande do Sul), com o pesquisador e palestrante Joaquim Santini, diretor da consultoria EXO - Excelência Organizacional, e com Julianna Antunes, CEO da Sustentaí, empresa de engajamento e tecnologia para promover a sustentabilidade.
Qual o papel do RH em desastres climáticos?
“A experiência com a tragédia que aconteceu no Rio Grande do Sul no ano passado trouxe grandes reflexões sobre a urgência de estruturar melhor a área de governança e as ações que devem ser tomadas para acolher colaboradores e fornecedores em um momento desses, ao mesmo tempo que garantir a continuidade das operações”, afirma Gérson Silva, da ABRH-RS, referindo-se às semanas em que o estado gaúcho permaneceu debaixo de água, enfrentando enchentes e muitos prejuízos no primeiro semestre de 2024.
Os especialistas que conversaram com a reportagem concordam que o papel do RH no enfrentamento de desastres climáticos começa antes da tragédia. Para eles, o departamento pessoal é fundamental na gestão desse tipo de crise.
É o RH que vai orientar cada área, os colaboradores e, eventualmente, até os fornecedores sobre os riscos e os planos de enfrentamento de tragédias.
“As empresas precisam estar cientes de que é necessário um trabalho constante da equipe de RH, inclusive no mapeamento e orientação sobre os planos de contingência e de continuidade de ações”, complementa Gérson.
Joaquim Santini afirma que também é importante manter a comunicação e a proximidade com as comunidades da região onde a empresa opera. Em caso de alagamentos ou seca extrema, os vizinhos serão atingidos igualmente.
“Não é uma questão de assistencialismo nem de substituição do poder público. É uma decisão que passa pela inteligência, pelo planejamento”, explica o especialista em governança. “Manter a segurança local e o asfalto em bom estado, por exemplo, vai evitar o aumento de custo dos fornecedores com a própria segurança e com manutenção dos seus veículos. Isso não será repassado depois.”
Como o RH pode apoiar os funcionários que sofrem com desastres climáticos?
As empresas devem ter planos de apoio ao funcionário a curto, médio e longo prazo. No caso das enxurradas e enchentes, quando existe a questão da destruição de imóveis, ruas e estradas. É necessário garantir o atendimento tanto a quem foi diretamente impactado quanto aos que não tiveram prejuízos físicos e materiais.
“A empresa deve entender que a dor de quem perdeu apenas um sofá pode ser tão grande quanto a de quem perdeu a casa inteira”, comenta Gérson. Ele acrescenta que, quando a tragédia é grande, a comunidade toda acaba afetada, o que impacta esse colaborador. “Tem de haver um monitoramento dos estragos e das condições dos funcionários, das famílias e de sua vizinhança.”
Só com esse tipo de monitoramento a empresa pode tomar as ações necessárias quando acontece algum problema (como detalhado a seguir).
Mas nem só de tempestades é feita a crise climática. Nos últimos meses, o Brasil enfrentou ondas de calor que atingiram diversas regiões. No Rio de Janeiro, a sensação térmica chegou a 50ºC em fevereiro e em março.
Colaboradores que têm de trabalhar presencialmente e usam transporte público são ainda mais prejudicados nessas condições. Permitir o sistema híbrido ou home office em dias mais quentes é uma solução possível, segundo Julianna.
“Ainda que o escritório tenha ar condicionado, o RH precisa ter consciência de que o funcionário vai sair para almoçar no calor escaldante”, diz ela. “Quando ele volta, precisa de um tempo para se recuperar e retomar o trabalho. Se a preocupação é com produtividade, aqui também existe o risco de prejuízo.”
Outro ponto levantado pelos especialistas é a necessidade de as empresas terem esquemas prontos para a adoção rápida do teletrabalho –um legado da pandemia de covid-19, quando o mundo teve que se adaptar ao trabalho em casa do dia para a noite. Porque com tantos problemas relacionados ao clima, quem estiver preparado, tende a sofrer menos prejuízo.

Como estruturar um programa que garanta que os funcionários são acolhidos e o negócio continue funcionando em casos de desastres climáticos?
Para enfrentar períodos de catástrofes, as empresas devem ter planos de contingência e de continuidade das atividades. Profissionais de outras áreas podem colaborar com os documentos, que devem ser reavaliados e atualizados pelo RH periodicamente –mesmo em períodos em que desastres climáticos são mais raros ou não estão previstos.
Aqui estão algumas ações importantes dentro desses planos:
1. Realizar um mapeamento de onde vivem os funcionários e como é o deslocamento até o trabalhoO RH tem que saber onde o colaborador mora e qual é a complexidade do deslocamento dele até a empresa. No caso de um alagamento, se a região onde ele vive enche de água, tem que ser mapeado como vai ser o socorro imediato e se e quando haverá condições de ele continuar trabalhando. “Se a pessoa está isolada, tem que ter um plano para mantê-la em uma situação adequada de subsistência, pelo menos”, afirma Gérson.
2. Ter uma reserva orçamentária para atender os colaboradores e retomar atividades assim que possívelA previsão orçamentária é importante durante e depois do período de catástrofe, para garantir tanto a ajuda ao funcionário quanto a manutenção da produtividade. “Já vi empresas internacionais com essa preocupação e acredito que as empresas brasileiras devem seguir por esse caminho”, diz Julianna.
A legislação prevê o adiantamento de férias individuais e o uso do banco de horas. Para ajudar o funcionário, tem que haver sempre o respaldo financeiro.
3. Criar um comitê responsável pelos planos de contingência e de continuidade das atividadesO RH deve garantir a elaboração dos planos de contingência tanto para o caso de funcionários diretamente afetados quanto para situações em que a área da empresa é atingida por algum desastre climático.
Nesse processo, é importante contar com o engajamento de diferentes áreas. Lideranças que acompanham mais de perto os funcionários podem dar informações importantes sobre o mapeamento e a situação da equipe. “A mobilização é integral, inclusive com a comunidade”, diz Gérson.
4. A abertura de canais oficiais de comunicação e de fácil acessoA empresa deve manter linhas de telefone e de mensagens instantâneas que podem ser ativadas mesmo fora do ambiente digital do trabalho. Dessa maneira, é mais simples para o funcionário impactado entrar em contato – ou para colegas buscarem ajuda.
Quando o problema estiver ocorrendo na região onde a empresa opera, também deve haver um espaço para divulgação dos planos de contingência e de continuidade das operações e das ações tomadas a cada etapa durante o período de dificuldade. Informações claras e diretas dão mais segurança à equipe.
5. Manter conjuntos de ações que devem ser tomadas a curto, médio e longo prazoAs ações devem levar em consideração aspectos materiais, físicos e psicológicos. Os planos de atendimento têm de incluir a possibilidade de o funcionário continuar trabalhando em condições dignas, seja presencial ou remotamente.
Também é importante ter um olhar atento a quem não foi afetado diretamente por enchentes, por exemplo, mas carrega traumas e segue suscetível a ter depressão e ansiedade. “É responsabilidade da empresa monitorar o comportamento das pessoas”, avalia o diretor da ABRH-RS.
O que diz a CLT para casos de calamidade
A lei nº 14.437 autoriza empresas a adotarem medidas alternativas para a preservação de emprego e renda, além das atividades profissionais, no caso de decretos de calamidade pública –nos níveis municipal, estadual ou nacional. São elas:
- Autorização para o trabalho remoto;
- Antecipação das férias individuais;
- Concessão de férias coletivas;
- Aproveitamento e antecipação de feriados;
- Uso do banco de horas;
- Suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
A lei ainda prevê a possibilidade de redução da jornada de trabalho (desde que o valor do salário-hora de trabalho seja preservado) e a suspensão temporária do contrato.
Tais medidas podem ser adotadas por até 90 dias. O prazo pode ser prorrogado enquanto durar o estado de calamidade pública.
Cabe ao RH estabelecer regras claras e promover a comunicação rápida e precisa em relação às regras adotadas nos cenários específicos.
Quais os desafios que as mudanças climáticas impõem às empresas?
Contribuir para a preservação do meio ambiente e com a transição energética também é importante em um cenário grave de aquecimento global e intensificação dos desastres climáticos. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), informou que 2024 foi o ano mais quente já registrado. A temperatura média global da superfície ficou 1,55 °C acima da média anotada entre os anos de 1850 e 1900.
Existe ainda um agravante: os últimos dez anos estiveram entre os dez mais quentes já registrados. O Acordo de Paris, adotado a partir de 2015, estabeleceu como meta limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. Para isso, previa uma série de medidas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa.
De acordo com os especialistas, é preciso que o poder público e as empresas privadas tenham ações conjuntas e combinadas para atenuar a crise climática – tanto em relação à discussão de novas regras de produção e mercado quanto em relação aos modelos de financiamento para agilizar a transição energética.
“Pouco se fala de como o deslocamento dos funcionários para o trabalho impacta nas emissões de gases de efeito estufa”, diz Julianna. “Ao incentivar o home office ou o modelo híbrido, pode haver também um efeito positivo na qualidade do ar. Na época da pandemia de covid, com o home office, vimos essa situação em grandes cidades. São questões que precisam ser discutidas.”
O governo brasileiro sancionou, no ano passado, a lei que regulamenta o mercado de carbono. Também instituiu o marco legal do hidrogênio verde.
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Luciane Scarazzati é jornalista e acredita no poder transformador da informação e da educação. Atuou nas equipes que lançaram a CNN Brasil e o site de notícias G1 e também trabalhou em outros importantes veículos de imprensa, como TV Globo, UOL e Jornal da Tarde.