Para o especialista Diogo Cortiz, RHs devem criar políticas para uso de IA nas empresas
Em entrevista ao blog da Flash, o especialista Diogo Cortiz defende que os RHs precisam criar diretrizes para diminuir os riscos da IA nas empresas.
Embora a tecnologia já estivesse presente nos negócios há alguns anos, a chegada do chatbot desenvolvido pela OpenAI acelerou o processo de adoção da IA no dia a dia de profissionais e empresas, incluindo o RH.
Prova disso é que, segundo a pesquisa Agenda 2023, realizada pela consultoria Deloitte, 7 em cada 10 companhias brasileiras declararam que iriam investir em inteligência artificial neste ano.
Na área de gestão de pessoas são muitos os processos que prometem ser automatizados com a tecnologia preditiva e de análise de dados, algo que vem tornando o uso da IA pelo RH uma prática comum em atividades como recrutamento, treinamento e até monitoramento da saúde mental dos funcionários.
Para o especialista e cientista cognitivo Diogo Cortiz, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é preciso que as empresas instruam seus colaboradores sobre como utilizar essas ferramentas de maneira ética. E não só: também criem políticas para adotá-las de forma estratégica e segura para o negócio.
Doutor em tecnologias da inteligência e design digital, com PhD pela Universidade Sorbonne, Cortiz é também especialista em neurociência e, recentemente, foi convidado pela OpenAI para integrar um grupo que testará critérios de ética e segurança de uma nova IA desenvolvida pela empresa.
Em entrevista exclusiva ao blog da Flash, o especialista desmistifica o conceito de inteligência artificial e analisa seu emprego pelo RH.
O que é inteligência artificial (IA)?
Por mais que a IA tenha se popularizado e venha sendo usada no dia a dia de muitos profissionais, ainda há um número grande de pessoas que faz essa pergunta quando se depara com o termo “IA”.
“Podemos definir inteligência artificial como uma área do conhecimento, irmã da ciência da computação, que visa desenvolver artefatos tecnológicos [programas, softwares] capazes de aprender”, define Cortiz.
“Sua vantagem, então, é criar mecanismos que conseguem aprender a partir de exemplos, olhando para o passado ou, então, a partir de uma interação da máquina consigo mesma [em simulações e jogos], entre outras técnicas”, completa.
O especialista também esclarece que, por mais que o termo inteligência artificial seja usado para falar de todas as tecnologias com capacidade de aprender padrões complexos de comportamento a partir de uma base de dados, o correto seria falar inteligências artificiais, no plural. “Uma vez que diferentes programas são treinados a partir de técnicas diferentes, com finalidades que também se diferem”, diz.
Para ele, um dos principais motivos que tornaram o ChatGPT tão popular é o fato de que a ferramenta foi a primeira geração de IA a parar nas mãos da sociedade, usada diretamente por pessoas comuns.
IA no RH: prós e contras
Cortiz afirma que o recrutamento é a principal área em que a inteligência artificial se popularizou quando o assunto é o uso da tecnologia no RH.
Nessas atividades, assim como na maior parte das tarefas em que ela passou a ser empregada em outros setores, seu sucesso se deve à promessa de agilizar, otimizar e baratear processos, tornando-os mais rápidos, eficientes e econômicos.
Entre seus usos mais comuns no recrutamento estão a segmentação do público-alvo (a partir de testes para identificar os candidatos mais alinhados com o perfil buscado), a ampliação do alcance da divulgação de vagas e a automatização da triagem de currículos.
“Esse modelo pode auxiliar a encontrar aqueles perfis que potencialmente tenham uma maior conexão com uma posição", afirma.
Cortiz, porém, alerta para o risco de que a IA possa trazer informações enviesadas ou imparciais durante os processos de seleção — preocupação que já foi levantada ao usar a tecnologia em áreas como segurança pública ou saúde.
"Sabemos que existem alguns desafios éticos do uso dessa tecnologia no RH porque é possível, por exemplo, que o programa privilegie um certo tipo de currículo [baseado no gênero ou no lugar onde a pessoa se formou, por exemplo], descartando automaticamente outros tipos de candidaturas. Esse é o desafio. É preciso que exista uma transparência e um cuidado maior das empresas”, analisa.
Leia também: Como utilizar a IA nas rotinas de RH
Os impactos da Inteligência Artificial no RH
No final de maio deste ano, um grupo de cientistas e empresários que lideram gigantes de tecnologia como Sam Altman, CEO da OpenAI e Demis Hassabis, chefe do Google DeepMind, assinaram uma carta aberta afirmando ser necessário esforços para que a evolução da IA não coloque em risco a existência humana.
Cortiz não endossa o coro alarmista e diz não acreditar que as soluções baseadas em inteligência artificial sejam capazes de causar a extinção da humanidade no planeta Terra.
No entanto, ele alerta para o fato de que a tecnologia pode desumanizar aspectos essenciais para as relações humanas – algo que, no caso do RH, exige ainda mais atenção.
“Se usada em excesso, a inteligência artificial pode mecanizar processos e fazer com que nós fechemos os olhos para a subjetividade. Existem outras questões e características que a tecnologia não consegue capturar”, opina.
Quando questionado sobre a ameaça que a IA representa para milhões de empregos, polêmica comum relacionada ao uso da tecnologia nos negócios, Cortiz defende a ideia de que é necessário olhar para a relação do trabalho com a inteligência artificial por meio de perspectivas variadas.
O especialista também se diz cauteloso em relação a previsões que defendem a ideia de que a automatização do trabalho, a partir da popularização da inteligência artificial, vai gerar um desemprego em massa.
“Toda vez que uma nova tecnologia é incorporada pela sociedade, as consequências são imprevisíveis; o mesmo vale para o mercado de trabalho”, diz.
Cuidados ao utilizar a Inteligência Artificial no RH
Na mesma velocidade em que passou a ser adotada por milhões de pessoas e empresas, a popularização da IA também é meio ancorada por inúmeras polêmicas.
Na educação, professores universitários discutem como verificar a autoria de artigos científicos enquanto algumas instituições, como as escolas públicas de Nova Iorque, decidiram banir a ferramenta definitivamente.
Nem mesmo Hollywood ficou imune ao debate: em maio, atores e roteiristas entraram em greve preocupados que a IA possa substituir profissionais em funções como criação de roteiros e até mesmo atuação.
Em meio a esse contexto, o mundo corporativo não passou ileso. Em abril deste ano, por exemplo, a Samsung proibiu seus funcionários de utilizar o ChatGPT4 após o vazamento de dados sigilosos da organização. Já outras discutem como criar diretrizes para os funcionários sem limitar o acesso à tecnologia.
Esta última abordagem, segundo Cortiz, é a melhor saída para evitar problemas como vazamento de informações sensíveis.
“Embora os responsáveis por desenvolver essas tecnologia estejam criando versões do tipo enterprise, em que garantem que os dados a serem usados não terão a privacidade corrompida, acredito que as empresas devam instruir seus funcionários sobre como utilizar programas de IA internamente”, diz.
Para ele, criar regras claras sobre o que pode ou não ser compartilhado pelos funcionários nessas plataformas é fundamental para evitar casos como o da Samsung e danos ao negócio.
“Se trata de algo muito novo e, considerando que são serviços disponíveis na Internet para o usuário final, quando o uso de ferramentas como ChatGPT 4 é indiscriminado o risco de violação de alguma privacidade de dados existe, é inegável”, afirma o pesquisador.
Por fim, Cortiz faz questão de salientar que, embora seja urgente a criação de diretrizes para limitar os riscos dentro das organizações, não haverá uma regra única para todas empresas e RHs. “As empresas precisam pensar de maneira estratégica qual a melhor forma de criar sua política para o uso dessas tecnologias, dentro da sua própria organização, levando em conta os possíveis usos a serem feitos”, afirma.
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Repórter da Unicamp, formada na USP. Tem vasta experiência em produção de conteúdo para mídias digital e impressa, e assessoria de imprensa. Passou por Grupo Folha, Record e Microsoft.