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Fim da escala 6x1: nove pontos para entender os impactos da PEC que propõe redução da jornada de trabalho

A Flash ouviu especialistas e explica os impactos da PEC que propõe o fim da escala 6x1 e a redução da jornada de trabalho.

Flash

Na última quarta-feira, 13, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe o fim da escala 6x1 atingiu as 194 assinaturas necessárias e começou a tramitar na Câmara dos Deputados.

Antes disso, a proposta de redução de jornada apresentada pela deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) tomou as redes sociais com discussões sobre o impacto da escala de trabalho, que prevê apenas uma folga por semana, na qualidade de vida dos profissionais.

O texto da deputada propõe uma escala 4x3, de quatro dias de trabalho e três de folga, com carga horária máxima de 8 horas por dia e 36 horas por semana.

Atualmente, a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determinam, no máximo, oito horas de trabalho por dia, com a possibilidade de até duas horas extras, “por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”, e uma jornada semanal de 44 horas. Não há obrigatoriedade de uma escala específica, sendo possível a divisão da jornada de trabalho em modelos como 5x2, 12x36 ou 6x1.

Por se tratar de um modelo popular, principalmente no setor de serviços (como restaurantes, hotéis etc.) e na indústria, o debate sobre o fim da escala 6x1 tem dividido opiniões. De um lado, há quem defenda que a proposta faça parte do movimento atual no mundo do trabalho, que busca maior equilíbrio entre vida pessoal e carreira. Do outro, os críticos argumentam que o fim do modelo pode prejudicar negócios e reduzir empregos.

Para se aprofundar nesse debate e entender os impactos para empresas e profissionais caso a proposta de emenda seja promulgada, a Flash conversou com especialistas em direito do trabalho e elencou nove pontos que você precisa saber sobre a PEC que pede o fim da escala 6x1. Confira a seguir:

1. Fim da escala 6x1: como começou o debate sobre a redução de jornada de trabalho?

O texto da PEC pelo fim da escala 6x1 cita o movimento “Vida Além do Trabalho” (VAT), que teve início no ano passado e foi encabeçado por Ricardo Azevedo, mais conhecido como Rick Azevedo, vereador eleito pelo PSOL no Rio de Janeiro.

Tudo começou quando Rick publicou um vídeo que viralizou no TikTok em setembro de 2023. Na época, o tocantinense trabalhava como balconista em uma farmácia e resolveu postar um desabafo contra a jornada 6x1 após ser chamado para trabalhar mais cedo no dia seguinte à sua folga, encurtando ainda mais seu período de descanso.

No vídeo, o jovem questiona como profissionais com filhos e outras obrigações conseguem equilibrar as demandas com apenas um dia de folga e chama a escala 6x1 de “escravidão moderna”.

Em poucos dias, o desabafo de Rick viralizou nas redes sociais, atingindo milhões de visualizações. Daí em diante, o jovem criou um grupo no WhatsApp para articular ações sobre o assunto. Uma delas foi a criação de uma petição pública, mencionada no texto da PEC que pede o fim da escala 6x1, que reuniu o apoio de quase 800 mil brasileiros.

2. Entenda o que diz o texto da PEC que propõe o fim da escala 6x1

A PEC em discussão sugere uma “nova redação ao inciso XIII, do artigo 7º da Constituição Federal, para dispor sobre a redução da jornada de trabalho para quatro dias por semana no Brasil”.

A deputada Érika Hilton defende que a proposta “alinha-se aos princípios de justiça social e desenvolvimento sustentável, buscando um equilíbrio entre as necessidades econômicas das empresas e o direito dos trabalhadores a uma vida digna e a condições de trabalho que favoreçam sua saúde e bem-estar”.

A proposta também menciona exemplos de empresas e países que testaram a jornada de quatro dias por semana, como o Reino Unido, onde empresas observaram uma queda de 39% no estresse e 71% nos sintomas de burnout dos trabalhadores após a implementação da jornada reduzida.

No ano passado, a 4 Day Week Global, instituição sem fins lucrativos que testou a semana de trabalho de quatro dias no Reino Unido, também organizou um projeto piloto semelhante com empresas no Brasil. Realizado em parceria com a consultoria Reconnect Happiness at Work, o projeto constatou uma redução de faltas e aumento na produtividade entre as empresas participantes.

3. Fim da escala 6x1: quando deve entrar em vigor?

A proposta de Érika Hilton prevê que a mudança entre em vigor 360 dias após a publicação no Diário Oficial da União. Mas, para isso, ainda é preciso percorrer um longo caminho.

Na semana passada, a PEC conseguiu reunir as assinaturas necessárias apenas para ser protocolada na Câmara dos Deputados. A partir de agora, o texto deve ser debatido inicialmente na Comissão de Constituição e Justiça, que avaliará se ele segue os termos da Constituição. Em caso positivo, será analisado pelas comissões especiais, que avaliarão o mérito e as possíveis alterações.

Depois, a PEC será levada ao plenário, onde passará por dois turnos de votação. Para ser aprovada, precisa obter, em cada um deles, pelo menos 308 votos a favor.

Se aprovada na Câmara dos Deputados, a proposta segue para o Senado, onde precisa ser aprovada por, no mínimo, 49 senadores. Caso haja alguma mudança substancial no texto, ele voltará à Câmara. Somente após a aprovação nas duas Casas, o texto será promulgado e publicado no Diário Oficial da União.

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4. Quais os benefícios para o trabalhador com o fim da escala 6x1?

Hoje, o trabalhador que atua na escala 6x1 cumpre uma jornada diária de sete horas e 20 minutos e tem direito a uma folga semanal. Nesse período, segundo a legislação, também é prevista uma hora de almoço por dia.

“Se considerarmos também o deslocamento, de pelo menos uma hora, ele fica 10 horas disponível apenas para o trabalho. Não dá tempo para ir ao médico nem para cuidar de mais nada”, afirma Luciana Morilas, professora de Direito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da USP.

Luciana lembra que outras mudanças em relação à jornada de trabalho também foram alvo de queixas e previsões negativas. “Historicamente, o discurso sempre é que a economia vai quebrar. Mas não quebrou depois do fim da escravidão nem das reduções anteriores na jornada de trabalho.”

5. O que dizem os críticos da PEC pelo fim da escala 6x1?

O debate tem encontrado resistência entre empresários, comerciantes e a indústria. Um dos argumentos é que o custo para os empregadores aumentará. A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) já classificou a proposta de “ideia estapafúrdia”.

Em estudo realizado pela FIEMG (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), a entidade argumenta que “a diminuição da carga horária pode resultar em uma perda semanal de R$ 8,5 bilhões para as indústrias brasileiras e de R$ 38 bilhões para os setores produtivos de modo geral no país”.

Empresários, advogados e analistas que criticam a proposta também alegam que faltam detalhes — por exemplo, sobre proteção salarial, como funcionarão as horas extras e o descanso semanal remunerado.

O risco, argumentam, é que haja aumento da informalidade e das horas de trabalho, já que as pessoas poderão procurar outras ocupações no tempo livre para aumentar o rendimento.

“Existe uma tendência mundial de reduzir a jornada, mas o assunto precisa ser debatido com profundidade, com representantes da sociedade, das empresas e dos sindicatos. Mudar a toque de caixa é irresponsável”, pontua o advogado trabalhista Rafael Fazzi, do escritório Andersen Ballão. “É difícil tratar desse assunto sem pensar em uma reforma da CLT.”

Em entrevistas, a deputada Érika Hilton já disse que a versão inicial da PEC não tem o objetivo de “cravar um modelo exato”, mas sim de promover o debate no Congresso e em audiência pública, além de buscar um “denominador comum” sobre o tema.

6. Quais serão os setores mais afetados pelo fim da escala 6x1?

Caso a proposta seja aprovada, os setores mais afetados pelo fim da escala 6x1 e pela redução da jornada de trabalho devem ser os que funcionam aos fins de semana ou 24 horas, como comércio, serviços e indústria.

“Pequenos comerciantes, como donos de padarias e farmácias de bairro, devem ser mais impactados, pois têm estrutura mais enxuta”, argumenta Rafael Fazzi.

Já Gabriel Santoro, coordenador trabalhista do escritório Juveniz Jr Rollim Ferraz Advogados, lembra que, hoje, algumas categorias têm jornada diferenciada por regulamentação própria, como os bancários (seis horas diárias), médicos, jornalistas e advogados, entre outros. “O texto não menciona o que acontecerá nesses casos”, diz o especialista.

7. Fim da jornada 6x1 vai reduzir salários e benefícios?

Segundo o texto da PEC, “a semana de quatro dias representaria uma redução da jornada de 44 horas semanais para 36 horas, de modo que se resguardem o salário e os benefícios dos trabalhadores, sem ainda especificar como a remuneração será protegida.”

Segundo os advogados ouvidos pela Flash, direitos já previstos na CLT, como 13º salário e vale-transporte, devem ser mantidos. No entanto, em novos contratos, pode haver diferença de valores por causa da redução de dias trabalhados.

O vale-refeição ou alimentação, que não é obrigatório, deve sofrer mais impacto. “Caso a PEC seja aprovada, as reuniões de acordos coletivos devem ser mais tensas logo após a mudança. Os benefícios oferecidos hoje podem voltar à mesa de negociação em um primeiro momento”, diz Gabriel, do Juveniz Jr Rollim Ferraz Advogados .

8. Escalas alternativas já existem em acordos coletivos

Tanto o Ministério do Trabalho quanto empresários e advogados afirmam que é possível negociar mudanças na escala de trabalho durante as negociações de convenções coletivas, sem a necessidade de emendas constitucionais. 

Gabriel afirma que um de seus clientes, uma indústria no interior de São Paulo, fechou acordo recente para uma escala de 6x2 (seis dias trabalhados e duas folgas semanais). “A desvantagem é que a folga não vai ser necessariamente aos finais de semana, terá uma rotatividade”, diz ele.

Rafael avalia que as negociações da escala podem variar dependendo do tipo de atividade e do cenário econômico, entre outros fatores. Ele cita que metalúrgicos da região metropolitana de Curitiba já fazem jornada de 40 horas semanais, após acordo coletivo. “É uma conquista dos trabalhadores.”

O texto da PEC cita acordos desse tipo e complementa: “O momento é de transformar as garantias conquistadas por determinadas categorias profissionais em direito para todos os trabalhadores brasileiros, especialmente requerendo o fim da escala 6x1 e adoção da jornada de quatro dias”.

Especialistas e parlamentares já cogitaram a possibilidade de o texto da PEC ser alterado para atingir algo próximo a um “meio-termo”: a jornada reduzida de 44 para 40 horas semanais e a escala fixada em, no máximo, 5x2 (cinco dias de trabalho e dois de folga).

     9. Discussões sobre redução de jornada são antigas 

Mas, apesar da notoriedade que ganhou, a proposta da deputada Érika Hilton não é a única que visa reduzir a jornada de trabalho e, atualmente, pelo menos outras nove PECs sobre a redução da jornada de trabalho estão em tramitação ou foram engavetadas no Congresso Nacional. 

Tampouco a discussão sobre redução de carga horária de trabalho é algo novo. Desde o Brasil Império, há registros de trabalhadores que reivindicavam a redução da jornada de 12 a 16 horas diárias para as oito horas praticadas atualmente. 

A jornada de trabalho em vigor atualmente, porém, remonta a uma discussão que teve início nos anos 1970 e foi consolidada na Constituição Federal de 1988, que estipulou a jornada máxima de 44 horas por semana. A nova regra mudava anterior, criada em 1930, quando o então presidente Getúlio Vargas havia instituído o total de 48 horas semanais e outras leis que regulamentam o trabalho no Brasil.

Leia também: Redução da jornada de trabalho: fique por dentro das propostas discutidas pelo Senado

 

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