Demissão humanizada? Entenda como melhorar o processo de desligamento
Especialista do Insper fala sobre como a demissão humanizada melhora o employer branding e até o engajamento dos colaboradores.

Seja sob a justificativa de uma mudança estrutural ou, pior ainda, de desempenho insatisfatório, ser demitido dói. Para além de questões objetivas, como a necessidade de procurar um novo emprego, há o abalo na autoestima e, por vezes, a sensação de ter sido descartado de maneira injusta. E o emocional fragilizado pode dificultar o processo de recolocação no mercado.
Se por um lado é direito da empresa mexer em seu quadro de funcionários, por outro emerge a necessidade de olhar para o processo de demissão de maneira mais humanizada, em linha com práticas como o ESG.
Uma pesquisa da consultoria Produtive indica que mais de 61% dos profissionais afirmam ter sido surpreendidos pelo desligamento, e mais da metade disse que seus líderes não souberam explicar com clareza o motivo da demissão. No fim das contas, 55% disseram acreditar que o processo não foi bem conduzido e 46% ficaram magoados.
Se os funcionários sofrem, as empresas também podem ser impactadas. Relatos no LinkedIn de profissionais detalhando a forma (ruim) como foram dispensados e notícias de demissões em massa por videochamada são bons exemplos de como a maneira de demitir pode manchar a imagem das companhias. Como conduzir, então, um processo de demissão mais humanizado?
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O blog da Flash conversou com Tatiana Iwai, professora de comportamento e liderança do Insper, sobre o tema. A especialista afirma que a chave está em criar um processo com dignidade, clareza e transparência com o colaborador.
Leia a seguir alguns trechos da conversa:
Para além dos clichês, do que estamos falando quando pensamos em um processo de offboarding humanizado?
Tatiana Iwai: Eu não gosto do termo demissão humanizada ou offboarding humanizado. Acho que é simplesmente uma label que se usa, mas no fundo a gente está falando de um processo de desligamento do funcionário que seja feito de forma transparente e com dignidade. E que a gente nesse processo consiga, não acabar, mas minimizar percepções de injustiça ou de um tratamento desrespeitoso.
Como se daria esse processo na prática?
Tatiana: Talvez a gente tenha uma noção do que é um processo respeitoso e transparente quando pensa nos exemplos de processos que não são respeitosos: às vezes o funcionário é comunicado do seu desligamento em lotes. A empresa faz aquela reunião, vai desligar um monte de gente e comunica todos de uma única vez sobre isso, um processo não individualizado. É muito curioso isso porque você não contrata por lotes, você não contrata pessoas todas juntas numa reunião. Então, por que em um processo em que você vai interromper o relacionamento profissional com o funcionário, você não consegue fazer isso de forma individualizada? Não fazê-lo de forma individualizada é uma falta de respeito. Ou às vezes o funcionário fica sabendo que foi desligado porque tem problemas de acesso. Quando a gente fala de dignidade, clareza e transparência, são todos esses elementos que compõem o que seria um offboarding humanizado.
E para onde a empresa deve olhar para tornar esse processo melhor?
Tatiana: Acho que depende muito da motivação do desligamento: se ele vai ser em massa ou não, se é um processo de demissões estruturais na empresa ou por uma performance. No geral, desconsiderando que há várias particularidades em cada processo de desligamento, acho que a gente pode focar em falar o seguinte: a comunicação do desligamento em si é um elemento de muita atenção, então que seja feita de forma muito clara, muito transparente e, de novo, individualizada, [trazendo] um a um os motivos do desligamento.
É importante entrar nas questões práticas, certo?
Tatiana: Uma vez feita essa comunicação, tem uma outra fase de esclarecer os passos: quais são os procedimentos quase que burocráticos do desligamento em si. Se a gente for pensar, esse é um processo que, da perspectiva do funcionário, gera muita ansiedade, muita incerteza. Então, nessa fase posterior você tem que prover as informações sobre como vai ser esse desembarque, dúvidas que ele possa ter sobre até quando, por exemplo, os benefícios vão se manter, verbas rescisórias, todas essas informações. Minimizar essa ansiedade, no que diz respeito a esses procedimentos mais administrativos, ajuda muito no processo. Isso compõe de novo os elementos de clareza, transparência e respeito.
Como uma cultura de feedback pode melhorar os processos de offboarding?
Tatiana - Vamos imaginar que a demissão seja motivada por um mau desempenho do funcionário, que ele estava sendo informado periodicamente de que não estava conseguindo desempenhar a contento, recebeu feedbacks frequentes, teve acesso à avaliação de desempenho, um período que a empresa deu para que ele pudesse recuperar a performance ou mostrar que conseguiria alcançar as expectativas da organização. Eu acho que quando você tem esses processos de alguma maneira estabelecidos dentro da empresa, o funcionário tem um pouquinho mais de informação que ajuda a minimizar o baque do desligamento em si. Isso não faz parte do offboarding, mas são elementos pré-desligamento, digamos assim, de um mau desempenho, que eventualmente conseguem facilitar esse processo.
Pensar no desembarque do colaborador também tem relação com employer branding?
Tatiana: O processo de desligamento continua sendo um processo de gestão de pessoas. Então ele deveria ter naturalmente a mesma atenção que a gente dá a todos os outros processos de RH, pelo menos ter alguns guidelines claros de como fazer. A gente já viu vários exemplos de funcionários que são desligados e compartilham em mídias sociais, LinkedIn ou outras [redes], como foi o processo de desligamento. Isso causa um buzz, às vezes negativo, para a empresa. Esse primeiro elemento obviamente gera um impacto reputacional.
O segundo ponto é que, por mais que a empresa esteja interrompendo o relacionamento profissional com aquele funcionário, para além do que ele pode falar sobre como experimentou o processo de desligamento, a gente tem que pensar naqueles que ficam. A maneira como você desliga alguém é percebida, sim, pelos funcionários que ficam. Então tem uma questão que impacta diretamente no nível de engajamento e de comprometimento dos funcionários que ficam na empresa, de como fica o clima interno. Imagina em uma demissão em massa, é muito mais dramático.
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Este processo de offboarding envolve apenas o RH ou tem de começar com os líderes das equipes?
Tatiana: Acho que ambos. O guardião de todos os processos de gestão de pessoas é o RH. Mas se a gente for pensar no primeiro passo, que é a comunicação em si, ela não é feita pelo RH, é feita pelo gestor. Eles têm um papel fundamental em como o funcionário vai experimentar esse desligamento. Acho que tem inclusive uma questão de o RH fornecer algumas orientações para o gestor sobre como ele deve conduzir essa comunicação em si. A gente parte da premissa de que o gestor sabe fazer, mas não necessariamente. É como se o RH desenhasse todos os elementos, os guidelines, mas uma parte, que é a comunicação, quem vai executar é o gestor, então o RH tem que trabalhar em parceria com ele. Porque, eventualmente, se você deixa o gestor fazendo isso sozinho, pode ter muito ruído nessa comunicação.
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Jornalista e mãe do Martin. Além de colaborar com a Flash, é assessora de imprensa na área de música e escreve sobre cultura em veículos de imprensa.