Chief AI Officer da IBM explica por que toda empresa deveria contratar um ‘diretor de IA’
Em entrevista exclusiva, Thiago Viola desvenda o que faz um “diretor de IA”, cargo em ascensão que já é realidade em 15% das empresas no mundo.
Desde que o ChatGTP foi lançado e impulsionou o surgimento de outras dezenas de ferramentas de IA generativa, a tecnologia dominou as conversas dentro e fora das empresas. A corrida por desenvolver soluções que utilizem IA nos negócios é tamanha que, segundo um estudo recente da IBM, 80% do mercado mundial hoje está em busca de projetos relacionados à IA.
Outra pesquisa, dessa vez da Foundry, agência de marketing para o mercado de tecnologia, descobriu que 61% dos responsáveis pelos departamentos de TI das empresas esperam que os gastos com inteligência artificial cresçam em 2024.
O papel da IA cada vez mais no centro dos negócios têm gerado uma busca de empresas por um perfil específico de profissional: o Chief AI Officer, algo como “Diretor de IA” em tradução livre. Esse líder não apenas entende da tecnologia, mas encontra oportunidades de negócios e lidera estratégias relacionadas à ela nas organizações.
Embora recente, a procura por executivos de IA no C-level é tanta que, segundo a mesma pesquisa da Foundry, que ouviu 956 empresas globalmente, 15% delas já tinham um diretor de IA em 2023. Outras 24% estavam com uma vaga do tipo em aberto.
“Mais do que um executor, o diretor de IA é responsável por conectar os projetos de inteligência artificial ao negócio da empresa e cuidar da governança das ferramentas. Ele orquestra esse todo”, explica Thiago Viola, diretor de IA, Dados e Automação da IBM no Brasil. Antes de assumir a cadeira de Chief AI Officer na multinacional, em 2023, Thiago liderou a plataforma de IA generativa da IBM, batizada de Watsonx, para a América Latina.
Em entrevista exclusiva ao blog da Flash, o executivo explica o que faz e qual é a importância de um Chief AI Officer, descreve qual o perfil ideal para ocupar essa função e analisa o momento da inteligência artificial no mercado brasileiro. Confira a seguir:
O que faz a área de Inteligência Artificial, Data e Automação da IBM?
Thiago - Resumidamente, auxiliamos nossos clientes a construir e a utilizar a tecnologia em suas empresas. A IBM tem mais de 100 anos no Brasil e atende desde grandes bancos até startups.
Nossa vertical, então, é responsável por todos os produtos que focam em aumentar a eficiência da produtividade e ampliar o ganho financeiro do cliente levando tecnologia para sua operação.
Temos uma área interna chamada CIO (Chief Information Officer), dedicada à aplicação de tecnologias, na qual criamos projetos para a própria IBM. Esse braço está muito orientado para a inteligência artificial dentro de casa, e tem feito conversões de diversos processos que antes eram muito manuais.
Tem algum exemplo de projeto criado com a IA que otimizou processos?
Thiago - O setor de RH é um bom exemplo disso e se tornou um case global. Hoje, tudo o que acontece na IBM relacionado à operação de recursos humanos, como a transferência de funcionário de uma área para outra, o aumento de salário e o recrutamento, foi reconstruído e está baseado em uma inteligência artificial.
Esse movimento vem ganhando um espectro mais amplo. Ao longo dos últimos oito anos, a área tem trabalhado para desenvolver as capacidades do seu assistente digital interno orientado por IA, o AskHR, para responder a 2 mil consultas e automatizar mais de 100 processos.
Recentemente, a ferramenta começou a enviar lembretes aos funcionários que se preparam para viagens, como alertas meteorológicos. À medida que aprendem a usar a ferramenta, as pessoas podem poupar tempo em tarefas e se concentrar no que é mais importante.
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Como Chief AI Officer quais áreas estão sob o seu guarda-chuva?
Thiago - Apesar de contar com profissionais do jurídico e do RH nos nossos squads (times multidisciplinares), eu tenho essencialmente profissionais da área tecnologia reportando a mim. São profissionais que desempenham funções bem diversas, como desenvolvedores, engenheiros de IA e engenheiros de prompt.
Apesar disso, temos uma relação estreita e diária com as outras áreas. Como a base da inteligência artificial são dados, é preciso olhar para a fonte das informações que estão sendo utilizadas para não haver risco de segurança, de exposição ou de viés. Devo garantir que aquelas informações estão vindo de onde se possa utilizá-las, saber quem as validou ou se há algum tipo de princípio de copyright, entre outros aspectos.
Ser Chief AI Officer em uma empresa de tecnologia é diferente da atuação em empresas de outros ramos?
Thiago - Vejo que os diretores de IA das outras empresas têm uma articulação direta com o negócio, discutindo objetivos com o CEO, o jurídico e o CFO. Por outro lado, tecnicamente, precisam garantir que todas as expectativas estabelecidas no C-Level vão ser executadas.
No meu dia a dia, preciso garantir que todas essas essas verticais estejam alinhadas, e também saber a funcionalidade e a maturação de cada recurso para sair com um produto final funcionando. É uma rotina de interação com as outras áreas e de trabalho interno de desenvolvimento de TI.
Então, o que faz um Chief AI Officer no dia a dia?
Thiago - Na IBM, existe uma tropicalização muito forte no que diz respeito à inteligência artificial, a começar pelo nosso idioma. Então, muito do que fazemos é um treinamento e uma base para que as soluções sejam adaptáveis e funcionais na língua portuguesa. Tenho um time que trabalha no treinamento e no direcionamento desses conteúdos, por exemplo.
Também temos uma linha de desenvolvimento robusta. Temos um squad responsável por olhar especificamente para aplicações que necessitam de modernização. Para transformar em realidade, usamos tanto automação como IA.
Entre uma jornada e outra, existe um ciclo de maturação, fundamental para a tropicalização e a adaptação da inteligência artificial para o mercado brasileiro. Isso envolve desde treinar o modelo em português até garantir a automação e a compatibilidade com o uso da nuvem.
Você acredita que mesmo uma empresa que não atua com tecnologia deve ter um Chief AI Officer?
Thiago - Sim, porque estamos falando de uma peça essencial e estratégica. Ao mesmo tempo em que faz as coisas acontecerem de maneira vertical, ele articula e garante a implementação de um projeto inovador, que faz o negócio crescer horizontalmente.
Sua responsabilidade é conseguir fazer toda essa costura, primordial para uma condução de sucesso, com competência para assegurar a ética e a transparência dos projetos relacionados à IA.
Questões éticas são uma grande preocupação relacionada à IA. Como criar uma governança para inteligência artificial?
Thiago - Governança faz parte da convivência e do futuro do que a gente vai ter como inteligência artificial. Portanto, é imprescindível, em qualquer companhia, que exista um board tomador de decisão dedicado a esse tema.
Esse grupo de pessoas vai determinar, por exemplo, o que precisa ser feito antes da execução de uma inteligência artificial e, principalmente, ter um ferramental que sustenta toda essa história. Isso tem de ser o almanaque do diretor de IA. Afinal, se é algo que envolve ética, transparência e explicação, precisa de governança.
Como vocês fazem isso na IBM?
Thiago - Aqui na IBM, lançamos uma solução chamada Watsonx, que tem uma uma vertical chamada governance. Essa ferramenta me dá informações sobre o que estou falando.
Um exemplo: se um funcionário faz uma pergunta para ela, eu consigo saber o que envolveu a construção da resposta dada (por exemplo, o que foi perguntado ou a localização de origem de quem fez a pergunta).
Qual acredita ser o perfil necessário para se tornar um diretor de IA?
Thiago - É fundamental ter um amplo conhecimento técnico, principalmente nas áreas de dados e nuvem. Nos últimos 10 anos, o mercado vem seguindo por um caminho marcado fortemente pela tecnologia em que dados, analytics e business intelligence ganharam protagonismo, convergindo na área que se convencionou chamar de IA. Isso exige uma compreensão profunda sobre esses temas e um entendimento sobre como eles se casam.
Mas só o conhecimento técnico basta para ser um Chief AI Officer?
Thiago - Não. Conhecer o outro lado da indústria em que atua também é essencial. Isso porque, quando se pensa em varejo, banco, indústrias ou qualquer outro setor do mercado, há muitas diferenças e especificidades que precisam ser consideradas.
Fora isso, é preciso ter maturidade para discutir tecnologia, eficiência, produtividade e uma série de coisas no resultado final da função. Afinal, é uma rotina em que todo dia se tem novidades, sempre há algo a ser atualizado dos dois lados.
Entre os críticos, há quem diga que esse boom em relação à IA é uma bolha. Qual a sua opinião sobre isso?
Thiago - Ao contrário, já vejo muita oportunidade e execução sendo feita. O ano de 2023 foi quando a IA literalmente entrou na casa das pessoas. Acredito que 2024 está sendo o ano da realização, ou seja, as pessoas já entenderam o que é e agora estão percebendo como isso pode ser executado dentro da empresa. Em níveis diferentes.
No nível inicial, significa aprender como a IA pode ajudar, por exemplo, a transcrever uma reunião e resumir o que foi discutido. Esse é o ponto onde estamos. Acredito que vamos entrar nos segundo, terceiro, quarto e quinto níveis nos próximos meses, talvez anos.
E o que vai mudar entre esse estágio em que estamos e os próximos?
Thiago - Vamos entender, de fato, o que a IA pode agregar de valor. Por exemplo, além de transcrever e resumir a reunião, gerar insights, agregar conteúdos da internet, criar um e-book final. Vejo que estamos no começo de algo que vai estar inserido no nosso trabalho. A IA será mais uma ferramenta de colaboração para essa troca e essa maturidade dentro do mundo onde vivemos atualmente.
Quando falamos de IA, como vê o Brasil em relação ao restante do mundo?
Thiago - O espectro geral é muito bom, tecnologia não é mais olhada pela lente do custo, mas sim do diferencial. As empresas estão preocupadas em como trazê-la para fazer algo diferente e traduzir isso de forma rápida, para ter ganhos a curto prazo.
Na IBM, temos uma vivência grande no mercado de IA. Temos mais de 400 clientes usando inteligência artificial no Brasil, como Banco Inter, Magazine Luiza e Equatorial. Vejo essa aderência em múltiplas indústrias, não importa o tamanho, e o desenvolvimento da IA generativa vai potencializar muito o que temos feito.
E quais os principais desafios do país?
Thiago - O primeiro que vejo é ter todo um instrumental e um padrão de como operar a inteligência artificial. Sabemos o que a IA tem de potencial, mas precisamos ter certeza do que está sendo executado, e para isso a governança é essencial.
Outro desafio é como fazer a entrada da IA de maneira mais ágil, olhando os diferentes casos de uso. Por exemplo, como fazer ser auto replicável e inseri-la no cotidiano de profissionais de áreas variadas, como jurídica, médica, financeira. Diminuindo seu tempo de adoção.
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Repórter da Unicamp, formada na USP. Tem vasta experiência em produção de conteúdo para mídias digital e impressa, e assessoria de imprensa. Passou por Grupo Folha, Record e Microsoft.