Dá para separar pessoal do profissional? 5 reflexões da série Ruptura sobre o mercado de trabalho
A série Ruptura aborda os limites da produtividade e o impacto no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Entenda o dilema que ela levanta.

Você chega ao trabalho e, literalmente, a sua vida pessoal ficou para trás. Não há problema familiar, financeiro ou de saúde que possa interferir na sua produtividade, até porque você nem se lembra da existência deles.
Ao chegar em casa ao final do expediente, são os colegas de empresa, os chefes e até mesmo a sua profissão que desaparecem da memória. Esta é a premissa da série “Ruptura", produção mais assistida da história da Apple TV+, plataforma de streaming onde está hospedada.
Ruptura está em sua segunda temporada e programada para acabar no dia 21 de março. O Brasil está entre os países que mais a assistem. “Severance", em inglês, tem custo de US$ 20 milhões por episódio - uma das séries mais caras da história.
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Levado ao limite na trama que mistura ficção científica e suspense, este dilema corporativo, no entanto, abre espaço para uma discussão pertinente na vida real: a importância do equilíbrio entre vida pessoal e profissional e o impacto na nossa saúde mental da produtividade a qualquer custo. Em papo com a Flash, Rodrigo Vianna, CEO da Mappit e cofundador do Talenses Group, faz um mergulho nos temas que a série levanta. Confira:
Qual o tema da série Ruptura?
Protagonizada por Adam Scott, a série com direção e produção executiva de Ben Stiller tem como pano de fundo um escritório em que os funcionários trabalham com dados sem saber exatamente o que estão fazendo, nem o porquê.
De início, não há razões para questionamentos, uma vez que passaram por um procedimento, com seu consentimento, que permite dividir o cérebro criando dois universos, o do trabalho e o que está fora do ambiente corporativo. Um não interfere na existência do outro, já que as memórias de uma das “vidas” some quando se está vivendo a outra.
Onde assistir à série Ruptura?
A produção está disponível na plataforma de streaming Apple TV+, com custo de R$ 21,90 mensais. Atualmente, está na segunda temporada, prevista para acabar em 21 de março. Os episódios são lançados sempre às sextas-feiras.
Veja 5 reflexões trazidas pela série Ruptura
Ônus e bônus da separação total entre as vidas pessoal e profissional
Se, num primeiro momento, a ideia da série de não misturar as vidas pessoal e profissional pode até parecer boa, já que os problemas de um lado não teriam interferência no outro, na prática, a verdade é que uma vida complementa a outra, afirma Rodrigo Vianna, CEO da Mappit e cofundador do Talenses Group.
Mais do que isso, as habilidades da vida pessoal são úteis na profissional, e vice-versa. Para Viana, é impossível separar uma da outra.
“É impossível separar completamente a vida pessoal da profissional. No final das contas, somos um único indivíduo. No ambiente de trabalho, é possível destacar determinados aspectos do nosso perfil, como as habilidades comportamentais, mas não podemos simplesmente ativar um ‘botão’ e ignorar a existência da vida fora do trabalho. Dessa forma, naturalmente, levamos nossas características comportamentais para o contexto profissional. Além disso, toda a nossa trajetória e experiências acumuladas ao longo dos anos se tornam um repertório valioso, que pode contribuir significativamente para nossa atuação no ambiente corporativo”, pondera Vianna.
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Produtividade a qualquer custo x saúde mental
Na série, o procedimento que promove a ruptura entre as vidas pessoal e profissional faz com que os funcionários da Lumon sejam capazes de repetir uma tarefa ao computador por horas, como se fossem máquinas, uma vez que nem se lembram de quem os espera em casa ou de que, para além do ambiente da empresa, é possível ter momentos de lazer.
Lembrou certos momentos da vida real? A diferença é que, fora das telas, sabemos que a sobrecarga de trabalho sem momentos de pausa pode levar ao burnout. Esta é mais uma das discussões sobre o mundo do trabalho atual que a série traz à tona.
Rodrigo Vianna lembra que, mesmo problemas de saúde mental acabam por ser consequência de uma série de fatores, ainda que o trabalho seja um deles, mesmo que fora do escritório. “Não há uma separação absoluta entre vida pessoal e profissional e, por isso, não é possível atribuir o comprometimento da saúde mental a um único aspecto. O excesso de trabalho, por exemplo, pode ocorrer tanto em um ambiente de escritório presencial quanto no home office."
Até em Ruptura a Gen Z chegou para questionar
A segunda temporada da série trouxe uma personagem da geração Z, Srta. Huang, que passa a frequentar o escritório, impactando a rotina. Qualquer semelhança com as dinâmicas de trabalho da geração Z não é mera coincidência.
“Um ponto interessante a ser analisado, com base nos episódios já lançados, é o fato de ela levantar muitos questionamentos, o que, em alguns momentos, pode até parecer uma forma de insubordinação em relação à liderança. Esse comportamento reflete o que temos observado nas empresas com a chegada dessa nova geração, que se mostra mais empoderada, autoconfiante, ciente de seu valor e disposta a questionar o status quo", afirma Vianna, ressaltando que, embora existam padrões de comportamento, cada contexto é único, e dentro da própria geração Z há perfis diversos.
A presença da jovem, aos poucos, faz com que os mais velhos se vejam obrigados a sair de sua zona de conforto para aprender novas formas de dialogar com ela. “A própria liderança precisa se adaptar ao novo cenário que ela introduz. Esse movimento também pode ser observado no mundo corporativo, no qual gerações mais experientes têm sido desafiadas a se desconstruir e reaprender, a fim de estabelecer um diálogo mais efetivo e produtivo com os novos profissionais que estão chegando ao mercado.”
Desafios da liderança
A nova temporada traz à tona também uma movimentação acerca de um funcionário da empresa que chega à liderança. Enquanto no passado questionava os processos e seus gestores, ao alcançar o posto passa a se ver no lugar deles. É ficção distópica, mas poderia muito bem ser a vida corporativa real.
“Sem dúvida, assumir a primeira posição de liderança traz desafios significativos. O primeiro deles é compreender os novos contextos dessa realidade, algo que nem sempre é claro quando ainda se faz parte da equipe. Muitas vezes, os elementos que compõem esse novo cenário só se tornam evidentes com o tempo. De forma prática, um dos principais desafios enfrentados pelas primeiras lideranças está na gestão, do tempo, das prioridades, da demanda em relação às entregas ou dos resultados. São múltiplas responsabilidades a serem equilibradas simultaneamente, e essa complexidade nem sempre é perceptível para as equipes", afirma Viana.
A filtragem de informações antes de elas chegarem aos times é outra responsabilidade que está implícita no cargo. Na prática, isso significa que, muitas vezes, as equipes não têm plena dimensão dos desafios que esses líderes enfrentam diariamente, segundo Viana.
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Antigos paradigmas x trabalho do futuro
Apesar de seu ambiente futurista, a série mostra os personagens trabalhando em equipamentos antigos, como os computadores que usam para “refinar dados” de maneira quase mecânica, sem saber muito bem o que estão fazendo nem as razões para isso.
Em um momento em que cada vez mais se discute modelos de liderança, formas de envolver e engajar os times explicando a todos os propósitos da empresa e oferecendo flexibilidade, “Ruptura” levanta também a questão das estruturas tradicionais de trabalho esbarra na temática da cultura organizacional das empresas.
“Não são apenas as novas gerações que questionam o status quo e os modelos de trabalho estabelecidos ao longo dos anos; as transformações digitais, a ascensão da inteligência artificial e outras inovações também estão redefinindo paradigmas e criando novos modelos de organização e gestão. Empresas que ainda não se atentaram para essa mudança inevitavelmente enfrentarão dificuldades, se é que já não estão enfrentando. Essas dificuldades podem se manifestar na perda de talentos, no desengajamento das equipes e até mesmo em impactos nos resultados financeiros", avalia.
O futuro do trabalho está sendo moldado agora, diz o especialista. Viana afirma que a liderança precisa se aprofundar nessa realidade e compreender quais são as questões prioritárias a serem endereçadas. “A saúde mental, sem dúvida, é uma delas, e exige atenção especial dos líderes. Modelos de trabalho mais flexíveis, no formato híbrido, na redefinição das jornadas ou na busca por um equilíbrio maior entre vida pessoal e profissional, contribuem para um ambiente mais sustentável”, afirma.
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Jornalista e mãe do Martin. Além de colaborar com a Flash, é assessora de imprensa na área de música e escreve sobre cultura em veículos de imprensa.