Ser CLT virou xingamento? Como as novas gerações de profissionais estão vendo o mercado de trabalho
Para especialistas, apesar de ganhar destaque no meio digital, insatisfação nasce da dificuldade de os jovens conseguirem empregos em sua área de formação.

Menos de um ano se passou entre a trend do CLT premium, em que jovens falavam orgulhosos dos benefícios “ostentação” que recebiam em suas empresas, e um novo fenômeno das redes: uma série de vídeos de adolescentes - e até crianças - desprezando a ideia de se tornarem CLTs, transformando o termo em um xingamento.
Como chegamos a esse ponto? Para Tiago Mavichian, CEO da Companhia de Estágios, os dois momentos capturam jovens de faixas etárias diferentes, mas o fato é que há uma parcela da população que tem rejeitado a ideia da carteira assinada – , que durante anos foi um símbolo de sucesso profissional e estabilidade.
Embora o movimento tenha vindo à tona na internet, esta situação está enraizada no cenário socioeconômico do país, segundo João Francisco Coelho, advogado de digital do Instituto Alana. “Tem um dado do ano passado que diz que apenas 1 em cada 10 pessoas que se formam na faculdade consegue um emprego compatível com a sua qualificação, e as outras nove vão trabalhar em empregos que exigem apenas o ensino médio.”
Para João, quando a gente olha para esse cenário e para o que vimos nos últimos anos no Brasil em relação ao afrouxamento dos direitos trabalhistas, “começamos a entender que se hoje há esse movimento de desprestígio a CLT é porque há uma desilusão no país, em que muitas crianças e adolescentes acessaram o ensino superior na última década, mas depois não conseguiram empregos de fato qualificados.”
Neste artigo, detalhamos desde a origem da CLT e sua importância na proteção aos direitos do trabalhador até a avaliação dos especialistas sobre a trend e como as empresas podem ajudar a desmistificá-la.
Confira a seguir:
Como a CLT nasceu?
Antes de detalharmos a tendência de "xingar” a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), é preciso destacar que sua regulamentação se deu em 1º de maio de 1943, durante o governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945), em um contexto de crescente industrialização no Brasil e de luta por direitos trabalhistas.
O objetivo foi unificar e organizar toda a legislação trabalhista existente até então em um único documento, garantindo direitos mínimos aos trabalhadores e estabelecendo deveres para os empregadores.
“Antes da CLT, a proteção ao trabalhador era fragmentada e inconsistente, com diversas leis e normas dispersas, mas sem uma estrutura completa de proteção e regulamentação”, explica Juliana Mendonça, sócia do Lara Martins Advogados e especialista em direito e processo do trabalho.
A CLT garante estabilidade jurídica e também financeira ao trabalhador, uma vez que assegura aos empregados direitos mínimos.
“É muito difícil falar em negociar direitos quando o trabalhador precisa do emprego e está à margem de uma legislação protecionista, dependendo da autorregulação", avalia Mendonça.
CLT premium x "não é legal ser CLT”
Se em meados do ano passado vimos fazer sucesso no TikTok a trend em que jovens enumeravam os benefícios “ostentação” que recebiam como CLTs em suas empresas, a dúvida que surge é: esta tendência captura um outro momento ou um outro público?
Na percepção de Mavichian, trata-se da segunda opção: “São dois públicos: uma parte são os que almejavam ser CLT premium, um pouco mais velhos no geral, 18 a 24 anos, que passam a considerar cada vez mais o empreendedorismo, a atuação autônoma ou como PJ como uma boa opção.” Para o especialista, os mais jovens, na faixa de 14 a 18 anos, são os responsáveis por começar a trazer a leitura de que “não é legal ser CLT”.
“Ou seja, estamos falando ainda da Geração Z, mas observando uma tendência que vai influenciar a Alpha [jovens de 14 anos hoje]”, afirma Mavichian, ressaltando que muitas dessas pessoas sequer atuaram no mercado como CLTs.
Dados do IBGE mostram que o desemprego entre os jovens sempre foi mais alto quando comparado às demais faixas etárias. Hoje a taxa está em 14,9% na faixa de 18 a 24 anos contra 7% na média geral. Ao considerar o grupo de 14 a 17 anos, a taxa de desemprego sobe para 26,4%.
“Se olhamos para os estagiários, apenas 1 a cada 10 consegue fazer estágio na graduação. Logo, quando se formam, dificilmente ingressam na área. É um problema gravíssimo que o Brasil precisa resolver e, para isso, precisa ter crescimento econômico consistente”, completa Mavichian.
VÍDEO: https://www.tiktok.com/@fabi.bubu/video/7460233909016481029?_r=1&_t=ZM-8xGF5O4UMly
Como a percepção dos jovens sobre a CLT mudou ao longo do tempo?
Para Coelho, advogado do Instituto Alana, esse fenômeno se relaciona com o cenário socioeconômico do Brasil nos últimos anos, em que muitas pessoas não conseguem empregos compatíveis com as faculdades que fazem.
Os vídeos de influenciadores mirins e crianças em geral criticando a CLT surgem, então, como consequência. “Nesse contexto, ser CLT não necessariamente significa que você vai estar num emprego qualificado, que te dê acesso a uma renda capaz de te dar possibilidades de se manter, acesso a direitos trabalhistas mais robustos”, afirma Coelho.
Mavichian ainda vê a rigidez da CLT como um fator que transmite a ideia de menos liberdade para o trabalhador, como não poder escolher o horário de trabalho, se prefere trabalhar presencial ou remoto ou até se quer fazer parte de determinado projeto.
“O autônomo pode ter mais liberdade, mas mesmo assim passa muito perrengue: não tem previsibilidade e depende de trabalhar para ganhar. São características diferentes que, às vezes, dependendo do momento de vida da pessoa, se tornam mais ou menos convenientes.”, afirma Mavichian.
Adeus à CLT e a febre dos influenciadores
Os jovens não querem ser CLT porque preferem ser influenciadores? Na avaliação de Coelho, em um contexto de dificuldades socioeconômicas, o trabalho com a internet surge, sim, como uma alternativa possível.
“No Brasil, a figura do influenciador digital acabou se tornando quase que uma nova versão do jogador de futebol, no sentido de ser uma carreira que se apresenta como uma possibilidade de mobilidade social grande para muitas pessoas.”
Coelho lembra ainda que o país tem o segundo maior número de influenciadores do mundo, ficando atrás somente da Indonésia. Hoje, o Brasil tem 2 milhões de influenciadores digitais, segundo dados da Influency.me, empresa especialista em marketing de influência, um aumento de 67% em relação ao 1,2 milhão registrado em março do ano passado. Neste cenário, há ainda a pesquisa da Inflr, startup especializada em marketing de influência, que aponta que 70% dos jovens querem se tornar influenciadores digitais.
Mas embora muitos jovens criem a expectativa de que a carreira na internet pode ser sinônimo de ascensão social e de renda, na prática não é tão simples.
“Os influenciadores que de fato vão conseguir alcançar essas possibilidades de renda são uma porcentagem ínfima daqueles que tentam fazer isso”, afirma Coelho, citando um estudo da antropóloga Rosana Pinheiro-Machado com o núcleo de pesquisa DeepLab, que mostra que no Brasil quase um quarto da população usa as redes sociais para tentar obter renda de alguma forma.
“Você acaba criando um caldo cultural no qual esse tipo de carreira é glorificado, mas na realidade não é uma solução para que a gente rompa com os ciclos de pobreza. Porque, além de ser lucrativa para um número reduzido de pessoas, acaba tendo como externalidade esse processo de desvalorização não só da CLT, mas também da educação, da intelectualidade. Você acaba eternizando esses ciclos de pobreza e impedindo que pessoas desenvolvam um olhar crítico, tão necessário para a gente romper com eles", completa Coelho.
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Como mudar essa perspectiva dos jovens com relação à CLT?
Para além de procurar culpados é importante observar que se há pessoas falando mal da CLT, é porque talvez as condições de trabalho no Brasil não sejam tão boas, mesmo para quem tem carteira assinada, segundo Coelho. O especialista diz que os direitos que a CLTassegura não podem estar alheios à idade dos trabalhadores, especialmente os mais jovens.
“Esses processos acabam afastando ainda mais os trabalhadores da seguridade social, da CLT, que, apesar de todas essas questões, ainda fornece diversas proteções que são muito importantes e que precisam ser ampliadas e não diminuídas.”
Mavichian também vê necessidade de que a CLT olhe para os mais jovens, citando pesquisa da Companhia de Estágios que mostrou que aprendizado contínuo, desafios estimulantes, flexibilidade, propósito e oportunidades de causar impacto positivo estão entre os desejos dos jovens.
“Minha leitura é que o modelo pode mudar, desde que tenha flexibilidade. Essa crítica que os jovens têm feito, portanto, é em relação ao que eles têm visto e percebido. A CLT é muito engessada, e precisa ser revista para se ajustar ao novo modelo de mundo que vivemos. Os jovens vivem o hoje, a CLT o ontem. Não estou defendendo aqui abrir mão de todos os direitos e garantias, mas precisamos falar sobre o tema. O modelo de trabalho mudou, a velocidade das mudanças também.”
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Qual o papel das empresas neste contexto?
Cabe ao RH reforçar nas vagas oferecidas os salários e seus benefícios, mas as empresas como um todo precisam assegurar um ambiente de trabalho saudável, com aprendizado e desafios.
Veja as dicas do CEO da Companhia de Estágios:
1. Oferecer condições mais atrativas: ir além do básico, proporcionando salários competitivos, benefícios relevantes e um ambiente de trabalho realmente saudável.Quer saber como a Flash pode te ajudar a oferecer benefícios atrativos para estes profissionais? Clique na imagem abaixo e fale com um de nossos especialistas!
2. Alinhar-se, na medida do possível, às expectativas da Geração Z: focar em aprendizado contínuo, desafios estimulantes, flexibilidade (qualidade de vida), propósito e oportunidades de causar impacto positivo
3. Melhorar a experiência do colaborador: combater a precarização e investir em cultura organizacional e liderança humanizada.
4. Comunicar valor: mostrar de forma transparente e eficaz as vantagens de ser CLT naquela organização específica, destacando oportunidades de carreira, desenvolvimento e estabilidade, para que as pessoas tomem consciência e construam suas opiniões.Mas, afinal, o que a CLT garante ao trabalhador?
São vários os benefícios de quem trabalha sob o regime CLT. “O trabalhador consegue se programar para tirar férias remuneradas anualmente e terá o seu recebimento salarial com acréscimo de um terço. No fim de cada ano, receberá 13º salário e sabe que, além do salário mensal, o empregador depositará o FGTS, que pode ser utilizado para compra da casa própria ou para momentos de necessidade, como doença grave ou dispensa do emprego [sem justa causa]", explica a especialista em direito e processo do trabalho.
Mendonça lembra ainda que o trabalhador CLT também tem benefícios quando é demitido: há o pagamento de uma multa de 40% do valor depositado no FGTS, além do seguro-desemprego, que pode durar de três a cinco meses.
Na outra ponta está o trabalhador informal, que não paga imposto nem contribuições previdenciárias, ficando à margem da proteção trabalhista e previdenciária, explica a advogada.

Jornalista e mãe do Martin. Além de colaborar com a Flash, é assessora de imprensa na área de música e escreve sobre cultura em veículos de imprensa.