O que é burnon? Entenda a condição de estresse crônico que pode anteceder o burnout
Especialistas explicam por que a condição, que define profissionais que se mantêm produtivos mesmo sob estresse elevado, é um alerta para o burnout.
Profissionais apaixonados por suas profissões que não se importam em trabalhar várias horas por dia. Eles sempre estão disponíveis, inclusive aos finais de semana, e aceitam de bom grado novos projetos — mesmo quando o excesso de demandas já é um problema.
Reconheceu a si mesmo ou a colegas? Pois bem, é sobre isso que trata um novo termo que causou burburinho na mídia e nas redes sociais: o burnon. O “primo” do burnout é caracterizado por uma condição de saúde em que o profissional vive na iminência de um esgotamento físico e mental, mas, apesar da excessiva carga de afazeres e do alto nível de estresse a que é submetido, ainda consegue se manter produtivo.
Por se tratar de um conceito novo, o termo burnon ainda não é reconhecido ou definido na literatura médica, ou psicológica como um transtorno específico. Para a psicóloga Ana Carolina Peuker, CEO da startup de saúde mental Bee Touch, porém, o conceito pode ser relevante para descrever um estado de estresse crônico e de trabalho intenso que precede o burnout.
“A popularização do termo aumenta a conscientização sobre os primeiros sinais de estresse crônico, incentiva discussões proativas sobre saúde mental e a importância do equilíbrio entre vida profissional e pessoal, temáticas prioritárias da agenda ESG. Também pode ajudar na implementação de estratégias de prevenção, evitando a progressão para o burnout completo”, diz a especialista.
Mas o que é o burnon?
O conceito do burnon foi desenvolvido por dois pesquisadores alemães, o psicólogo Bert te Wildt e o psiquiatra Timo Schiele, que em 2021 lançaram o livro “Burn-on: Always on the Brink of Burnout” (“Burn-on: Sempre à Beira do Burnout”, em tradução livre).
Na obra, ainda sem tradução no Brasil, os especialistas descrevem a condição como uma ‘depressão crônica, mascarada por trás de um sorriso’. “De acordo com a definição dos autores, seria um estado de fadiga extrema, irritabilidade, insônia, ansiedade, exaustão e depressão crônica”, explica a psicóloga Laura Camara, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
De acordo com Laura, os pesquisadores alemães sentiram necessidade de criar o termo para definir algo que notaram entre os trabalhadores e que, para eles, ainda não havia sido caracterizado.
“Apesar de já existirem outras síndromes, já conhecidas e muito parecidas com esta classificação, como a neurastenia ou a fadiga crônica, além da própria depressão relacionada ao campo do trabalho, o diferencial no burnon é que ele acomete o profissional de perfil perfeccionista”, diz a psicóloga.
Leia também: NR-1 e saúde mental: tudo o que o RH precisa saber sobre a atualização da norma
Burnon e burnout: entenda as diferenças entre eles
Como mencionamos no início do texto, o burnon é uma condição recém-descrita e ainda não reconhecida cientificamente. Já o burnout é uma síndrome inserida na CID (Classificação Internacional de Doenças) como um fenômeno ocupacional, ou seja, relacionado ao trabalho e reconhecido pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Entre as principais características do burnout estão a exaustão emocional extrema, a baixa produtividade e a despersonalização. A condição pode envolver sinais de maior intensidade e, que, muitas vezes, levam ao afastamento do trabalho.
“A pessoa sente uma desconexão e um distanciamento com seu trabalho e suas entregas. No burnon, o indivíduo não entra em colapso”, compara Virgínia França, psicóloga especialista em transição de carreira e equilíbrio profissional.
Segundo Vírginia, o burnon é uma situação intermediária, que se situa entre a relação saudável com o trabalho e o burnout. “Nele, apesar de já sentir sinais de exaustão e apresentar uma redução na motivação, o indivíduo consegue mobilizar seus recursos internos para manter um nível alto de produtividade e dedicação”, afirma a especialista.
Confira mais detalhes sobre burnout em nosso canal do Youtube:
É possível identificar sintomas do burnon?
Fadiga extrema e persistente, irritabilidade, insônia, ansiedade, exaustão e depressão crônica manejável são apontados por Wildt e Schiele como os principais sinais de burnon, mas não os únicos. Tensão, sentimento de culpa, dores de cabeça e problemas digestivos também são comuns.
De acordo com os especialistas ouvidos pelo blog da Flash, na visão deles, pessoas acometidas pelo burnon passam a apresentar dificuldade de concentração, redução da motivação pelo trabalho, sentimento de sobrecarga constante e insatisfação com a qualidade do seu trabalho, o que pode levar ao isolamento.
“A dificuldade em dizer não e em criar limites, além da sensação de nunca fazer o suficiente também trazem prejuízos à rotina do indivíduo, mas ainda não de forma incapacitante”, esclarece Virgínia.
Cultura de cobrança e sobrecarga causam problemas como burnon
Para as psicólogas entrevistadas, a cultura de cobrança, competição e sobrecarga que se disseminou nas empresas é a principal responsável pelo surgimento de sintomas e doenças que afetam o estado mental (e físico) dos seus colaboradores — como o burnon e a síndrome de burnout.
“Existe uma tendência geral em individualizar o problema, como se o trabalhador fosse culpado por estar se dedicando demais e não saber os seus limites, como se não conseguisse se controlar”, alerta Laura. “Para entender as causas do burnon, é preciso ter um entendimento mais abrangente da sociedade e do ambiente laboral”, completa Virgínia.
Avaliações de desempenho, prazos impossíveis de se cumprir dentro da carga horária e metas geralmente mais altas do que as pessoas conseguem executar e refações de projetos e tarefas imprimem um ritmo acelerado e uma pressão constante.
“Muitas vezes, isso vira uma ferramenta de gestão. Há normas, implícitas ou explícitas, de que o bom funcionário é o que faz hora extra, não necessariamente recebendo por isso. Há todo um discurso institucional, que vai levando os trabalhadores a sentirem essa necessidade de trabalhar cada vez mais”, diz a professora da Unifesp. “Para completar, com a digitalização da sociedade, separar vida pessoal e vida profissional se tornou tarefa praticamente impossível”, completa.
Como lidar e prevenir o burnon
Há duas frentes de atuação. Uma diz respeito ao tratamento para que a pessoa com burnon possa se recuperar. A outra é promover uma mudança de cultura da organização, afinal, a criação de uma política de proteção à saúde mental é essencial para evitar que os casos se instalem e evoluam para burnout.
Em relação ao profissional com burnon, o tratamento indicado envolve praticar meditação e exercícios físicos regulares, adotar uma alimentação balanceada e dormir bem. “Consultar um psicólogo ou psiquiatra pode ser útil para desenvolver estratégias de enfrentamento”, diz Ana Carolina, da Bee Touch, que lembra a importância de ajustar as responsabilidades no trabalho e de buscar apoio de colegas e supervisores.
Já as empresas devem olhar para a organização e a distribuição do trabalho. “É preciso considerar o nível de responsabilidades, as relações de poder. Avaliar o grau de autonomia, melhorar as possibilidades de cooperação e também a comunicação”, cita Virgínia.
Assim, é possível criar um ambiente que protege o indivíduo. Afinal, ao contrário do que se possa pensar, a pessoa não necessariamente é capaz de fazer a mudança sozinha. “Na maioria das vezes a possibilidade de mudar não está na alçada do trabalhador”, lembra Laura.
Por que o RH deve ficar atento ao burnon?
O problema é um indicador de risco de desenvolvimento de burnout, afirma a CEO da Bee Touch, e leva a uma diminuição significativa na qualidade de vida e de bem-estar dos indivíduos. Compromete, também, o desempenho do profissional, afetando sua produtividade e a qualidade do trabalho entregue.
Além disso, o burnon pode aumentar o absenteísmo e o turnover da empresa. “Funcionários com burnon podem necessitar de mais dias de folga e podem ter maior probabilidade de buscar licenças médicas”, afirma a psicóloga. Sua ocorrência também é um alerta vermelho, que pode comprometer a satisfação dos funcionários e dificultar a retenção de talentos.
A boa notícia é que já existe um movimento no meio corporativo de maior cuidado e entendimento sobre a necessidade de focar na saúde integral, além do bem-estar dos colaboradores. Para além da proteção dos riscos ocupacionais, avalia Virgínia, há um esforço e um movimento para gerenciar a saúde dos trabalhadores e promover escolhas de hábitos saudáveis.
“Isso implica entender o que, em uma organização, adoece o indivíduo. E aí está a virada de chave. Deixamos de ter somente um olhar de tratamento individual do adoecimento, que é muito importante, mas que não transforma o ambiente que adoece”, finaliza a especialista.
Repórter da Unicamp, formada na USP. Tem vasta experiência em produção de conteúdo para mídias digital e impressa, e assessoria de imprensa. Passou por Grupo Folha, Record e Microsoft.