“Salário digno é onde mais nós poderíamos gerar impacto na sociedade”, diz CHRO da Petlove, empresa que aderiu ao movimento de renda digna
Bruno Junqueira, CHRO da Petlove, fala sobre o marco de atingir a meta de salário digno e revela os planos da empresa para a agenda ESG.
Em agosto de 2024, a Petlove, empresa especializada em cuidados pets, anunciou ter atingido uma importante meta: oferecer o salário digno para 100% de seus colaboradores.
Isso significa que a companhia, que possui cerca de 1650 funcionários, passou a contar com pisos salariais próprios, superiores ao salário mínimo estabelecido na legislação. Para chegar a essas quantias, a Petlove leva em consideração diretrizes definidas pela organização WageIndicator Foundation, que pesquisa e calcula o valor dos salários dignos de acordo com a realidade de cada país.
Valores no plural porque mesmo dentro do Brasil o salário digno varia para cada cidade onde a companhia está presente, conforme questões como o custo de vida local.
Signatária do Pacto Global da ONU (iniciativa da organização para envolver empresas em práticas sustentáveis), a iniciativa faz parte do compromisso da empresa com a agenda ESG. E, segundo Bruno Junqueira, CHRO da Petlove, a decisão de priorizar a pauta do salário digno veio do entendimento de que a ação poderia provocar um impacto positivo na sociedade.
O executivo, que conversou com exclusividade com o blog da Flash, fala ainda dos impactos da ação em indicadores como engajamento e turnover da companhia e sobre outras iniciativas da empresa para os colaboradores, como a possibilidade de levarem seus animais para o escritório todos os dias.
Leia abaixo os principais trechos do bate-papo:
A Petlove tem uma agenda muito alinhada com a ESG e o Pacto Global da ONU. Diante de tantas demandas, como entenderam que o salário digno era a prioridade?
Bruno: Desde 2021, essa agenda vem avançando com mais força na Petlove. E ela tem alguns pilares: ambiental, social e de governança. A empresa se preocupa sempre com uma agenda de impacto, e a pauta do salário digno é um dos pilares em que nós mais poderíamos gerar valor dentro do ecossistema que ocupamos. Mas infelizmente isso é algo que ainda não está presente no dia a dia das organizações. Poucas empresas no Brasil avançaram neste assunto. A Petlove talvez seja a segunda grande empresa a conseguir isso. E o salário digno, de fato, é um compromisso perene [a Natura também alcançou a meta de implementar o salário digno para 100% dos funcionários].
Não tem como voltar atrás, certo?
Bruno: Exato. Em qualquer ‘soluço’ de crise, podemos de alguma forma mexer em uma série de coisas. E quando você assume um compromisso desses, cria um patamar importante em que passa a se basear. Não é mais em regulações, em práticas públicas, mas em um compromisso que você assumiu com o que é digno para habitação, cultura e acesso à saúde de qualidade da sua força de trabalho. Então, esse é um compromisso mesmo da Petlove.
Para além da questão financeira, que nível de maturidade uma empresa precisa ter para conseguir assumir um compromisso desses?
Bruno: Acho que estamos falando de um tipo de metodologia que abrange diferentes portes e tipos de empresa. O importante, na minha visão, é de fato uma crença de que isso gera valor e tem a ver com o propósito da empresa. Porque se formos olhar a regulação, os acordos sindicais e tudo mais, eles obrigam as empresas a se basearem no piso salarial da categoria e naqueles benefícios que o sindicato estipula. Quando você vai para uma lógica do salário digno, você está olhando além disso, olhando condições de vida por regiões.
Não existe um único salário digno, é isso?
Bruno: A metodologia que nós escolhemos adotar olha o custo de vida em determinadas regiões. Por exemplo, o interior de Minas Gerais, onde temos o centro de distribuição, em Itapeva. O custo de vida de lá é diferente do custo de vida de alguém que mora na capital de São Paulo. Isso é o que nos serve de base: temos um valor de salário digno para São Paulo, capital, e um diferente para Itapeva, em Minas Gerais. Porque são regiões que têm custos de vida diferentes e acesso a condições dignas de saúde, habitação e moradia diferentes. E eu acho que o compromisso da empresa é exatamente esse, de olhar para essa inclusão e para esse lugar de distribuição de riqueza para os colaboradores.
Como é feito este cálculo na prática na Petlove?
Bruno: Nós usamos uma metodologia que é de uma consultoria global [WageIndicator Foundation] que olha para esse tema no mundo inteiro. Essa consultoria fez esse estudo aqui no Brasil, de olhar o custo de vida por região. Então não somos nós da Petlove que definimos o valor de uma salário digno, ele é determinado por essa consultoria, que tem uma série de estudos em relação a isso. É totalmente autônomo, na verdade.
Vocês aderem ao que é estabelecido, então?
Bruno: Exatamente. Nós olhamos para os dados que são fornecidos por essa consultoria de acordo com a nossa população de colaboradores. E aí, sim, fazemos as adequações com base nisso e criamos nosso novo piso. Vamos supor que o piso do salário mínimo seja X, e a consultoria determinou que naquela região o piso com base no custo de vida é X + 15. Esse X + 15 vira o nosso novo ponto de partida para o salário mínimo que deveria ser pago para os funcionários daquela localidade.
Quais os impactos que vocês já conseguem perceber nas métricas do RH, como turnover ou engajamento?
Bruno: É difícil fazer uma conexão direta porque uma série de coisas influenciam nesses indicadores mais causais, tipo turnover. Porém, nós sabemos, sim, que o fato de termos esse compromisso nos torna uma empresa diferente. Vemos isso, por exemplo, no fato de termos níveis mais baixos de turnover comparados à indústria. Indicador que, inclusive, vem caindo. Além disso, nós também estamos aumentando nossos números de NPS e engajamento interno. Não só por essa ação, claro, mas por uma série de outras ações vinculadas à agenda de pessoas e ESG dentro da Petlove.
Considerando profissionais de recortes de raça e gênero, que tradicionalmente recebem salários menores, vocês têm alguma iniciativa?
Bruno: Em relação a esse recorte, nós acabamos de atualizar o nosso senso de diversidade, e estamos colhendo insights para fazer as correlações. Temos números muito expressivos em relação à participação de mulheres na empresa, que são maioria aqui, e temos compromissos também de aumentar o número de mulheres em posições de liderança, de ter representatividade de negros, pessoas com deficiência e público LGBTQIAP+. Nossos compromissos com diversidade vêm amadurecendo e se solidificando com base em pesquisas que nós fazemos internamente.
Mudando um pouco de assunto, neste ano a pesquisa de benefícios da Robert Half traz o plano de saúde para pets como um dos incentivos que as pessoas mais gostariam de ter na empresa. Vocês notam que isso é um diferencial?
Bruno: A Petlove é uma empresa que tem a sua cultura muito manifestada no dia a dia, isso significa que mais de 96% do nosso público tem pet. Esse vínculo com a nossa cultura é muito forte, e um dos nossos principais produtos é de fato o plano de saúde pet. Então, como não poderia deixar de ser, oferecemos esse benefício para todos os nossos colaboradores e vemos um aumento muito significativo em relação à procura das empresas por isso. É um benefício que aumenta bastante o nível de engajamento e tem tudo a ver com discussões recentes em relação à família multiespécie, a vínculo, a carinho.
Quando vocês dizem que são um ambiente de trabalho pet friendly, o que isso significa na rotina dos profissionais?
Bruno: Significa que nosso escritório é lindo e cheio de ‘petzinhos’ para todo lado [risos]. Mas, na prática, significa que todo mundo pode trazer seu animal todos os dias. É uma delícia. De fato, isso cria um ambiente muito gostoso. Nós sempre falamos que, na Petlove, o pet e o tutor estão no centro da nossa experiência. Então, faz muito sentido vivermos isso intensamente. Essa experiência é um avanço nesse ponto, e várias empresas vêm conhecer para entender. Quando eu estava fora da Petlove, imaginava que precisaria de uma megaestrutura para criar um escritório pet-friendly. E, depois eu descobri que não, tem uma autorregulação dentro do ambiente que é muito legal, o efeito de vínculo é muito poderoso.
E vocês oferecem “licença-peternidade” para quem acaba de adotar um animal, né? Pode falar um pouco sobre isso?
Bruno: Temos, sim. Que é para que aquela pessoa que adota um animal tenha tempo para ficar com seu novo petzinho. Além disso, oferecemos descontos em nossos produtos e empresas do grupo, como a Dog Hero, na qual os funcionários têm direito a algumas diárias. Procuramos estimular bastante o ecossistema que queremos construir, que é ser de fato o one stop shop em relação ao pet.
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Como tudo isso se integra?
Bruno: Nós criamos uma plataforma interna de engajamento e gamificação chamada Petplay, em que são colocadas todas as nossas ações. Os colaboradores cumprem os desafios que têm a ver com a nossa cultura e ganham petpoints, que podem ser trocados por experiências ou por pontos. Estamos sempre investindo em trazer soluções diferentes, que tenham a ver com a nossa cultura e que tragam esse espírito mais moderno, mais inovador. Nós procuramos fazer menos coisas que estejam desconectadas do nosso propósito e mais coisas que façam sentido dentro da experiência que nós propomos para o nosso colaborador.
E agora que vocês conseguiram estabelecer essa meta do salário digno, qual o próximo passo em relação à agenda ESG?
Bruno: Nós estamos em uma corrida bastante importante para sermos certificados como uma empresa B, ou seja, ingressarmos no sistema da B Corp [organização sem fins lucrativos que certifica companhias por sua atuação que alia o lucro com impacto ambiental e social positivos]. A B Corp reúne uma série de indicadores e de práticas, então estamos trilhando esse caminho já há algum tempo. E estamos mais próximos de submeter a certificação para que, quem sabe em 2025, a Petlove seja uma das empresas B e faça parte do ecossistema deles.
Jornalista e mãe do Martin. Além de colaborar com a Flash, é assessora de imprensa na área de música e escreve sobre cultura em veículos de imprensa.